49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo: Do you love me, de Lana Daher, noMarabá

Isabela Geiling Segalla

A Mostra deste ano exibe 374 filmes de 80 países. Desses 374, estão os indicados pelos críticos e amigos. Naquela sexta-feira, recusei todas as recomendações e escolhi, por conveniência de agenda, a sessão das 17 horas, no Marabá. “Por favor, o filme das 17 horas”. Quando o ingresso me foi entregue, li no topo do papel “Do you love me”. Passei os olhos pela pergunta sem interrogação e não a respondi. As luzes da sala antiga se apagaram e o filme apresentou-se. “Do you love me”.

O filme declara, logo nos primeiros momentos, que o Líbano não tem acervo nacional. A partir daí, diz que o documentário foi construído com 20 mil fontes. Entre essas estão trechos de filmes, fotografias, frames de programas de auditório, vídeos caseiros, cenas de reportagens, músicas e, provavelmente, mais outros tipos de imagens e sons dos quais não me lembro. A memória é assim, não é? Uma colagem do que os olhos captam e do que o cérebro organiza. Do you love me parece isso: uma colagem memória histórico afetiva. Daher constrói uma narrativa a partir de fragmentos, tratando das histórias coletiva e privada. Discute os períodos de guerra, os bombardeios, a construção de um país, a presença estrangeira, os programas de televisão compartilhados, mas também o amor, a família, a tristeza, a felicidade, a redenção. Sentada na poltrona de estofado vermelho pensei nos pertencimentos dos quais se participa: de um país, de uma família, de si. Em Do you love me, as fronteiras entre esses espaços são mais permeáveis. Eu sou o país e o país sou eu? O singelo e pessoal convive com o público e oficial, num jogo entre máscara e identidade, externo e íntimo. Assim, assistir o filme é como mergulhar num poço de uma única memória criada a partir de muitas outras. Talvez um país seja isso.

A sessão terminou e senti como se tivesse ganhado o prêmio misterioso de uma rifa, pois, apesar da esperança de ser sorteada, estava satisfeita com o provável azar. As cortinas do velho cinema de rua do centro de São Paulo abriram-se mais uma vez naquela sexta-feira e algo novo foi mostrado. A surpresa inesperada foi mais gostosa do que qualquer sucesso aguardado. Por isso, leitor, arrisque. Vá à Mostra e compre uma entrada desconhecida. Nunca se sabe quando a barra de chocolate esconde um bilhete dourado.

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