Letícia Fumes
Claude Monet foi um pintor nascido no século XIX em Paris, mas que cresceu na região da Normandia. Tornou-se um dos principais e mais famosos pintores do chamado movimento impressionista, este, conhecido por um denominador comum entre seus integrantes, ainda que cada um tenha tido sua individualidade preservada: o desejo de registrar a natureza e as paisagens não naturais também, de modo a mostrar a influência da luz presente e das cores próprias à cena e aos objetos observados. Monet conheceu outros artistas a ele contemporâneos como Renoir, Cézanne, Degas e Manet, com alguns dos quais pode trabalhar. Um fato interessante e particularmente sensível ao destino de Monet como pintor dentro do movimento impressionista é que este nome foi dado justamente face a uma obra do próprio artista, chamada Impressão, nascer do Sol (1872), que está atualmente no Museu Marmottan em Paris.
Mas o presente texto irá se debruçar – sob a ressalva de ser feito por uma não-especialista em arte ou técnicas de pintura, quiçá em Monet, apenas uma grande admiradora – sobre uma coleção específica do pintor, a última de sua trajetória, chamada As Ninfeias (Les Nymphéas). Monet passou cerca de impressionantes 30 anos elaborando essa composição, cuja magnitude não resta apenas no tempo de criação mas nas obras que dele resultaram: aproximadamente 300 telas, das quais 40 foram feitas em grande formato. A principal fonte de inspiração para tal foi o magnífico jardim de Monet em sua casa em Giverny, na França, que existe até hoje e está aberta a visitações – exceto no inverno, onde naturalmente a beleza admirada pelo artista encontra-se “congelada”. Neste jardim, Monet observou uma passarela, em estilo japonês, que atravessava um lago, as árvores, a mudança da luminosidade no curso do dia e, dentre outras coisas igualmente belas, ele observou também a flor ninféia, na qual reside a inspiração para nomear a produção citada.

A coleção das Ninfeias possui muitos quadros que estão espalhados pelo mundo, apesar da concentração francesa de obras do pintor. Mas, a meu ver, a mais bela composição – em todos os sentidos – está no famoso Musée l’Orangerie. Tratam-se de duas salas elípticas, cada uma com quatro quadros em grande formato. Essa junção promove a sensação de estar acompanhando a trajetória da flor ninfeia sobre as águas, perpassando momentos diferentes do dia, sob distintas iluminações e efeitos da natureza circundante. Em suma, a exposição provoca um envolvimento inesperado, como se o próprio espectador fosse uma presença-ausente no jardim em Giverny, observando e sendo observado pela lenta e contínua trajetória da flor sobre a água. Em resumo, tudo parece pequeno, a ponto de quase não existir diante da grandeza – material e simbólica – dos quadros, que se tornam praticamente um, dada a força do fio condutor que os conecta. Nas palavras do próprio Monet, a exposição é capaz de dar àquele que a observa “A ilusão de um todo sem fim, de um incerto sem horizonte e sem margem”. Monet fez a primeira doação dessa composição em 1918 ao Estado francês e
as instalações terminaram em 1927.

Recentemente, o MASP organizou a exposição A ecologia de Monet, que reuniu belíssimas obras de Monet, em consonância com o título, todas relacionadas aos aspectos naturais presentes na em ambientes típicos da natureza ou em cenários urbanos também. Dentre as obras selecionadas, estavam algumas integrantes da coleção As Ninfeias, nas quais a técnica para registrar o reflexo provocado na água quase nos faz confundir o que é o céu refletido e o que é a própria profundidade daquilo que a água “esconde”. Muitas das obras da coleção referida foram feitas quando Monet já enfrentava o problema de catarata nos olhos, algo que o acompanhou até o fim de sua vida em 1926. Em 1908, Monet disse algumas palavras que exprimiam de forma muito delicada e sincera esse dilema, que demonstrava um conflito entre seu desejo de continuar a produzir e suas limitações físicas próprias ao processo de envelhecimento: “Essas paisagens de água e reflexos se tornaram uma obsessão. Estão além das minhas forças na minha idade, e mesmo assim quero conseguir expressar o que sinto”.

Por fim, o que mais me impressiona nesta coleção é precisamente a devoção, a paixão e o encantamento contínuo de Monet sobre o mesmo objeto, o mesmo cenário durante 30 anos – é quase uma vida dentro de outra, dada a longevidade. Monet, com certeza, desfrutava de uma sensibilidade ímpar para compreender e continuar percebendo a beleza de uma mesma paisagem, delineada por diferentes cores e luminosidades, mas ainda assim, a mesma. Não só o jardim que o inspirou, em essencial, permaneceu o mesmo, mas seu desejo de prosseguir também, de modo que até seus limites físicos foram colocados a prova para que sua possível fonte de vida – no sentido de continuidade – fosse realizada. As Ninfeias são capazes de mostrar o propósito, a força motriz de Monet durante os últimos anos de sua vida, e são capazes, de algum modo, de consolidar, com primazia, a totalidade de sua produção. Constituindo, além disso, um verdadeiro presente àqueles que restaram para admirá-la.