A Secretária (2002)

Giovana Maroubo

O filme A Secretária (2002), uma comédia romântica dramática de Steven Shainberg, tem ganhado nova atenção nas redes sociais nos últimos tempos. Apesar de relativamente antiga, a obra traz, de maneira humorística e ácida, tópicos que se mantiveram atuais.

Lee Holloway, a protagonista interpretada por Maggie Gyllenhaal, é apresentada no início do filme em um hospital psiquiátrico devido a problemas de automutilação. Nesse cenário, somos introduzidos à complexidade da personagem. Quando Lee retorna à realidade social de sua família, após receber alta, ela sente dificuldades em adaptar-se às expectativas e comportamentos socialmente aceitáveis.

Ao retratar problemas psiquiátricos fugindo da abordagem clichê da “persona depressiva” estereotipada, o filme apresenta de maneira mais intimista e aprofundada as camadas e os problemas daqueles que enfrentam tendências à automutilação.

Sob o viés da autoinflição de dor, enquanto Lee se esforça para se inserir nos padrões ideais de vida de uma jovem garota, a trama nos leva a uma relação inusitada quando ela é contratada por E. Edward Grey em seu escritório de advocacia. É nesse contexto que se estabelecem dinâmicas de BDSM entre Lee e Grey.

O filme inova ao introduzir a sexualidade, principalmente a feminina, como uma forma de autoconhecimento e independência. Ao se encontrar dentro de um cenário de submissão, ordem e punição, a personagem é capaz de lidar melhor com seus problemas psiquiátricos e desenvolver um sentimento de liberdade pessoal.

A regulação de Lee quanto aos seus problemas psiquiátricos — advindos de uma família desestruturada, com um pai alcoólatra e uma mãe dependente — e sua busca por estabilidade são alcançadas através de uma transformação. O filme substitui o cenário de automutilação secreta e vergonhosa, que a prendia em uma espiral de desestabilidade, por uma relação de consensualidade e ritualização da dor, que também é capaz de lhe trazer prazer e leva a um senso de libertação e autoconhecimento.

As parafilias de ambos os personagens, retratadas de maneira sugestiva e por vezes explícita, são uma expressão progressista da arte de Shainberg. Enquanto o advogado Sr. Grey mantém em seu escritório a placa de “procura-se secretária”, torna-se evidente que seu fetiche interfere constantemente em seu trabalho, criando uma relação entre chefe e subordinada que é fixa em padrões, mas cíclica em relação às funcionárias.

Enquanto Edward Grey se envergonha e reprime seus desejos, Lee toma a frente e dá espaço para que a sexualidade de ambos floresça, sem tentar impor papéis de comportamento socialmente aceitáveis, mas abraçando aquilo que eles realmente sentem. Nesse sentido, durante o desenvolvimento do relacionamento, fica claro que, mesmo não
sendo uma relação completamente saudável, os papéis que eles pretendem exercer e as expectativas de um para com o outro estão em sintonia.

Apesar de Lee se encontrar em posição de submissão, fica claro que ela também está exercendo autonomia ao fazer escolhas com as quais se identifica, libertando-se de princípios que lhe foram impostos e, de certa forma, desvinculando-se de sua família disfuncional e seus padrões de comportamento.

Não obstante o filme não trazer uma resolução para todos os problemas, tanto na vida de Lee quanto na de seu novo parceiro, o filme é vitorioso em retratar, com um tom bem-humorado, a realidade de um relacionamento entre duas pessoas imperfeitas e traduzir a validade e a reciprocidade que podem existir em relacionamentos não convencionais. Mais do que isso, é vitorioso por abordar sentimentos que não são acolhidos e considerados anormais, não como patologias, mas como formas válidas de expressão, principalmente em um corpo feminino.

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