Giordanna Catelli
O livro “O Processo” de Franz Kafka, publicado postumamente em 1925, é uma obra de extrema relevância para identificar as falhas do sistema judicial. A trama gira em torno de um jovem bancário chamado Josef K., que é acusado de um crime que se jura inocente. Mas qual é esse crime? Essa é uma pergunta a qual ele mesmo não sabe responder, enquanto busca incessantemente por formas de se defender. A partir dessa narrativa, o autor critica a burocracia presente nos tribunais de justiça durante o período da primeira guerra mundial, no qual o mundo passava por diversas transformações sociais e políticas.
A história começa com Josef K. sendo surpreendido com a visita dos guardas responsáveis por sua citação, que não souberam informar o motivo da acusação e nem os demais procedimentos. Os interrogatórios e requerimentos eram sempre genéricos e nenhuma prova era apresentada contra ele, tornando sua defesa praticamente impossível.
Em determinado momento, ele procura ajuda de um advogado especialista na área mas não consegue perceber nenhum avanço significativo mesmo após meses do início do processo e, por isso, opta por retirar o mandato e dar continuidade sozinho. E, por fim, recorre a contatos dentro do tribunal, como o pintor, que revela ser praticamente impossível ser totalmente absolvido, e orienta o protagonista a se contentar com uma conclusão parcial.
A obra, em tese, retrata uma realidade muito anterior à nossa. Porém é evidente as semelhanças existentes entre a situação de Josef K e do sistema judiciário brasileiro. Segundo o DATAJUD, o processo criminal no Brasil leva uma média aproximada de três anos só na primeira instância. Nesse sentido, imagine o tempo até que se esgotem as possibilidades de recurso! A razoabilidade da duração dos processos simplesmente não existe.
Mas essa é a menor das semelhanças encontradas. Acontece que no Brasil, existem muitas barreiras para que as pessoas tenham acesso à justiça, especialmente pessoas de baixa renda ou escolaridade. Segundo a SANAPPEN, o número depessoas que cumprem pena em 2025 é superior à novecentos mil, colocando o Brasil como terceiro país no mundo com a maior quantidade de privados de liberdade. E enquanto isso acontece, as defensorias e juizados responsáveis por garantir a assistência estão sobrecarregados e com poucos funcionários, o que compromete a qualidade do serviço. De modo geral, nenhuma política eficaz é adotada para reverter essa situação.
Acaba que o processo só tem uma duração razoável para aqueles que têm contatos dentro dos tribunais, assim como Josef K. tentou recorrer quando se viu sem nenhuma outra alternativa. São tão escassos os recursos dentro da história, que um outro personagem, também com um processo em andamento, revela ter cinco advogados contratados para lidar com o seu caso e, mesmo assim, já está lidando com ele há cinco anos.
Kafka descreve a justiça como um portão que, embora aberto, é vigiado por um porteiro que impede as pessoas de entrarem, mas que, ao invés de expulsá-las, as obriga a esperar com a falsa promessa de que um dia iriam conseguir passar. É uma experiência de leitura capaz de te deixar indignado. Mas é ainda mais revoltante perceber que, cem anos após a publicação do livro, nossa realidade permanece a mesma.