ENTREVISTA COM O PROFESSOR FLORIANO AZEVEDO MARQUES NETO

Os questionamentos e as falas do entrevistado não refletem as opiniões pessoais dos entrevistadores e da Academia de Letras, enquanto Instituição. O propósito das entrevistas dirigem-se a fomentar o debate e a construção do Largo de São Francisco do amanhã.

Entrevistador: Professor, começando essa entrevista hoje, no dia 7 de julho de 2025, nós gostaríamos de perguntar ao senhor sobre como vê atualmente a Faculdade, ela melhorou em relação à década passada ou nós ainda estamos estagnados?

Floriano: Eu diria para você que, olhando o quadro geral, acho que a gente melhorou, embora nos últimos anos a gente tenha estagnado. São dois diagnósticos que não são contraditórios. Aqui, a gente pode marcar três grandes eixos. O primeiro é a transformação brutal e, na minha opinião, potente e promissora que foi propiciada a partir da introdução das cotas e da quebra das barreiras artificiais que faziam que a São Francisco fosse muito eugênica, muito estreita. Ela sempre foi, uma escola vocacionada a produzir líderes. Mas produzia estes líderes a partir de uma extração muito curta da sociedade. A introdução das cotas permitiu que a Faculdade continuasse cumprindo a sua vocação de produzir líderes, mas recrutando esses quadros em camadas muito mais amplas da sociedade, tanto sociais, como raciais, como mesmo regionais. Então, esse processo, que começa ali por volta de 2014, 2015, e vem nessa toada, opera uma transformação irreversível e altamente potente. Tenho que as políticas de inclusão são uma das maiores transformações que vivemos nas últimas décadas. Resta saber o que a gente vai fazer com isso. 

O segundo é o eixo político-institucional. A Faculdade no começo da década de 2010, a Faculdade viveu uma crise político-institucional muito grande. Nós tivemos uma gestão, primeiro, que foi o professor Grandino, que foi importante para quebrar algumas barreiras, para movimentar algumas coisas, obteve cargos e recursos na administração central da Universidade. Porém, em um dado momento, a gestão do professor Grandino perdeu um pouco o eixo, foi se isolando e adotado um perfil um tanto autocrático. Logo na sequencia, nós tivemos uma gestão de uma ótima pessoa, um ótimo professor, o professor Magalhães. Mas ele foi Diretor num quadro de Faculdade conflagrada. A gestão do professor Magalhães não pôde avançar muito, ficou muito presa na administração de conflitos, com um Reitor hostil a ele e à Faculdade, um conflito muito grande. E a Faculdade refletia isso, aparecia, para os que eram antigos alunos, para os alunos da época e para a sociedade, nas páginas ruins da notícia. Uma grande transformação começa a ocorrer, e eu sou muito devedor a ele, que foi gestão do professor Tucci. O professor Tucci fez uma gestão maravilhosa, uma gestão brilhante, ele pacificou a Faculdade, sarou as feridas que vinham dos dois mandatos anteriores, integrou a Faculdade, preparou a Faculdade para o novo tempo, que me foi dada a fortuna de dirigir a Faculdade. Introduziu algo importante, que é retomar um amálgama, um sentimento de pertencimento da Faculdade, que é muito poderoso e que me coube avançar. E aí vem a minha gestão, que foi beneficiária desse período anterior. Do ponto de vista do ritmo que as coisas estavam planejadas,  a minha gestão foi desafortunada pelo advento de uma pandemia exatamente no meio. Ideias potentes e saber mexer alguns botões mágicos da Faculdade é algo tão promissor que mesmo com a pandemia a gente conseguiu avançar. Com botões que o Tucci tinha acionado e que pude organizar e manejar nos meus dois primeiros anos. Dai que penso que vivemos de 14 a 22 um período muito bom da Faculdade. No eixo, inclusive, como eu dizia, político e institucional, que é o fato de você dar coesão a Faculdade e produzir notícias que coloquem a Faculdade nas páginas promissoras, nas páginas das boas notícias. Tivemos uma eleição presidencial complicada e dois anos de um governo hostil à Universidade, o que nos obrigou a tomar posições firmes em defesa da democracia e da autonomia universitária. Isso foi algo muito positivo, tanto na gestão do José Rogério, como na minha gestão. Infelizmente nesses últimos 3 anos a gente perdeu bastante do que a gente tinha acumulado no eixo político-institucional, a Faculdade voltou a aparecer nas páginas das más notícias. 

Portanto eu acho que a gente, no político-institucional retrocedeu bastante. Se você pegar um tracking das notícias que a internet, a imprensa, todos os meios de comunicação divulgam na Faculdade. Tivemos umas janelas no ato em defesa da Democracia, que foi mais um evento da sociedade civil que caiu no colo as Faculdade. Mas no geral, hoje o balanço entre notícias negativas e positivas deve estar 7 a 3, 8 a 2 a favor das más notícias versus boas notícias. Esse é um indicativo muito ruim.

Entrevistador: Professor, depois o senhor poderia explicar o que é esse retrocesso político-institucional que se referiu? 

Floriano: A Faculdade é um organismo muito sensível, depois eu volto para o terceiro pilar que é o estrutural. Então, problemas na Faculdade, conflitos interpessoais, conflitos entre alunos e professores surgem semanalmente. E uma coisa que o José Rogério me ensinou, e que eu e reforcei na minha gestão, é que a pior coisa a fazer é você fingir que o problema não existe. Quando o problema surge, ele chega na diretoria na hora seguinte. Tomou conhecimento de um problema? Enfrente. Chame as pessoas, administre o conflito, eventualmente aja na perspectiva de tomar providências, que às vezes você precisa tomar de imediato. Aumente os seus ouvidos, procure se antecipar ao problema. Nesse sentido a gente criou a ouvidora, que a professora Mariângela bem desempenhou, para abrir os canais e saber do conflito o mais rápido possível e enfrente, nem que ele tenha que ser dolorosamente enfrentado. Se você senta em cima do conflito, põe embaixo da mesa, ele se alimenta, fica forte, fica grande. E na hora em que você percebe, ele entornou a mesa. E isso acontece se você for omisso, se você for inerte, se você se acovardar. E aí o que acontece, outra coisa que a gente aprende: qualquer fato no entorno de 500 metros da Faculdade vira notícia. Qualquer, bom e ruim. Dou um exemplo que  aconteceu na minha gestão. Faleceu um morador de rua, de fome ou  de frio. Uma tristeza. Morreu  na Rua Benjamin Constant, do outro lado do Largo. A  matéria do jornal no dia seguine foi: “morador de rua morre desamparado na frente da Faculdade de direito”. Quer dizer, você não tem o que fazer, mas aconteceu. Levam um celular no Largo, como ocorre muito hoje: “celular é furtado na frente da Faculdade de direito”. E notícias boas, se você faz bem alguma coisa, também é notícia. Então, um dia lá eu estava na Faculdade, véspera das eleições de 2018,  um policial achou que um cartaz “viva a democracia” no período da eleição afrontava a lei eleitoral, mandou tirar. Sou avisado da determinação, de todo desprovida de fundamento. Vou até lá e converso com ele: “olha, meu amigo, não pode tirar porque temos eleições democráticas e qualquer um que diz ‘viva a democracia’ está falando algo que todos os candidatos presumivelmente defendem. Portanto, não é propaganda eleitoral”. Então, ele [o cartaz] não está fazendo discurso contra algum candidato. Não me consta que algum candidato diga que a proposta dele é acabar com a democracia. Então não vou tirar. Se o senhor quiser, o senhor busque uma ordem judicial e aí eu vou ter que me resignar, mas o senhor não vai tirar.”  Coisa simples, que para mim é um fato da vida, expliquei para o cara o que era proibido, e o que não era. Virou primeira página de jornal. Para o bem ou para o mal, a Faculdade atrai. Então, se você senta em cima do problema, ele cresce e ele vai para as páginas de jornais. E a Faculdade está, infelizmente, conflagrada, tanto conflitos “inter alunos”, como envolvendo professores; departamentos estão em pé de guerra. Esse é um problema que leva que a gente veja a Faculdade com muito mais más notícias que aparecem do que nas boas notícias. 

[Retorno à primeira pergunta]

E um terceiro eixo é o da transformação estrutural da Faculdade. A  Faculdade ficou muito tempo parada. E quando eu falo parada, é parada na sua infraestrutura física, é parada nos métodos de ensino, é parada no mobiliário que tem que ser adaptado ergonometricamente. O  mobiliário da Faculdade é lindo, mas tem um problema. Se você ficar seis horas assistindo aula seu corpo fica destruído. Você precisa de uma biblioteca que seja apta a um conhecimento digital, você precisa ter ferramentas de inteligência artificial, você precisa ter capacitação para isso. Então, o fato de a gente ser bicentenário, tradicional não pode impedir que você seja atual. A Faculdade é uma instituição de ensino superior, com alunos que são alunos alfabetizados digitalmente, e num mundo que cada vez mais é tecnológico. A Faculdade ficou muito tempo, atrasou muito tempo, em se modernizar. Eu e o Tucci fizemos uma boa revolução. Mas depois estagnou. Não houve uma boa ideia, uma nova frente de modernização. O que andou era o que havia deixado que na inércia venturosa produziu resultados. De novo, nada. Veja  a biblioteca, que só deslanchou porque o Reitor Carlotti tomou para si o projeto. Perdemos dois anos por falta de impulso. Pois agora a obra está a pleno vapor. A biblioteca que nós trabalhamos para formatar, é toda formatada para, claro, cuidar dos livros, mas também para ter espaço para os alunos explorarem o conhecimento digital. A digitalização do acervo de domínio público não avançou. Agora você tem um prédio avançando rapidamente, depois de atrasos pela inércia, mas não tem nenhuma movimentação concreta para buscar recursos de doações para adquirir computadores adequados, mobiliários ergometricamente confortáveis. O prédio vai ficar lindo e se bobear vai ficar que nem o restaurante universitário cuja recorma eu contratei ainda na minha gestão. Mesmo com atraso de dois anos o novo restaurante foi concluído e não está em uso porque não tem equipamento. Em três anos ninguém atentou que precisava de mobília, fornos, estufas. A obra biblioteca ficará concluída e corre o risco de não ser usada por não ter mobiliário completo. Ou se tiver vai ser mobiliada com móveis e equipamentos de baixa qualidade, incompatíveis com a beleza e a qualidade da construção. Por isso que digo que no eixo da estrutura da Faculdade não avançamos, na verdade retrocedemos. Pode ser que a partir de  2026, volte a andar. Vamos torcer.

Entrevistador: O senhor acha que, pela nossa história bicentenária, nós ficamos muito tempo sentados em cima da tradição e vimos as outras Faculdades chegarem mais próximas?

Floriano: É difícil alguma chegar mais próxima por um motivo simples: eu não conheço quem passou na São Francisco e preferiu fazer outra. E o ensino do direito é 75% material humano. Vocês, alunos. Assim, você entra na Faculdade, por mais estudioso que você seja, você no primeiro mês de convívio se acha burro, porque você está trabalhando com gente muito melhor que você. Então é difícil chegar. E a outra coisa é a seguinte, eu já dei aula em cinco universidades, quatro Faculdades de Direito no Brasil, três de ponta,  e dei aula em quatro universidades fora do Brasil, tudo em Direito. Dessas cinco aqui, quatro são muito boas. Mas tem uma outra coisa, além de recrutar a nata da nata, os melhores, com ou sem cota. O pessoal mais à direita ou desinformado critica as cotas. É uma bobagem. A política de inclusão está trazendo um aluno que antes, por barreiras artificiais, não viria estudar na Faculdade de Direito. Mas esse aluno é o melhor da cidade dele, da geração dele. Porque dizer que o SISU favorece alguém desprovido de qualidades é uma bobagem. A concorrência é maior no SISU do que na Fuvest. Então você continua  trabalhando com a nata. E segundo, que é algo que as outras não tem, é que a gente tem um outro diferencial que é o sentimento de pertença de uma instituição nacional, o que te dá uma coesão, o que te dá uma coisa a mais. Eu brinco que a São Francisco é para o Brasil um misto de Sorbonne com Eton. Forma líderes, forma quadros. É um pouco de MIT e Yale. Então, é muito difícil. Mas é óbvio que, do ponto de vista de métodos pedagógicos, do ponto de vista de infraestrutura, a gente tem muito tempo a recuperar. E, se você perde 4 anos sem avançar, você perdeu 40. É um desafio permanente. Eu fiz muita coisa, mas, tudo que eu consegui realizar não passa de 10% do que precisa. E não é só zeladoria, o que também é importante. É transformar a estrutura, os métodos, os recursos, aumentar bolsas, dar condições para o estudante se prepare para um mundo e um Direito cada vez mais dinâmico  desafiador.

Entrevistador: Professor, o senhor comentou e, para entender esses diálogos contemporâneos sobre a Faculdade, que até 2022 houve alguns avanços, o que o senhor acha que em 2023 fez uma contraposição? Seria iniciado pela greve? 

Floriano: Eu acho que a greve afetou muito politicamente, mas greve sempre houve e sempre haverá. Mais do que inevitável, acho bom que haja greve, debate, luta política. Fazer o debate político, respeitar a luta dos alunos ou dos funcionários não exige que a direção seja populista, muito menos covarde. O maior problema não é uma greve, é uma questão de perfil, de como se lida com ela. Você tem que ter disposição, coragem e tempo político. Disposição é você ter que enfrentar os problemas, porque eles não se resolvem sozinhos. Nada. Nada na vida, muito menos no serviço público, anda “per se”. Nada. Se é para andar por si, anda para trás. Então você tem que ter disposição de olhar tudo ao mesmo tempo, de uma vez. Eu, quando era diretor, andava com uma cadernetinha no bolso, e anotava todas as linhas e processos e demandas que tinham que ser feitas. E toda segunda-feira juntava o pessoal e cobrava linha a linha o que estava sendo feito, o que não estava sendo feito para que as coisas andassem. E, duas vezes por semana, eu andava pela Faculdade, com o mesmo caderninho, anotando o que estava errado: do lixo de papel que não foi trocado ao display da saboneteira que estava quebrado, passando por uma cadeira que tinha sido abandonada no corredor. Então, você tem que ter disposição, você tem que ter muita disposição para fazer, porque é muita coisa. O que tem para fazer é muita coisa e o que você não pode deixar de fazer é muita coisa. Então esse é um problema, disposição e coragem. 

E Coragem, você tem que saber o que você quer, o que você tem que fazer e contrariar pessoas. Então, assim, a greve afetou politicamente muito. Por quê? Porque se há uma coisa que não pode ocorrer é a liderança da Faculdade deixar de liderar. É aquela história, vocês conhecem, a história do navio que naufragou na costa da Itália. As tantas o oficial da marinha trava contato com o comandante para saber a situação. E percebe que o comandante sido um dos primeiros a abandonar o navio adornando. O oficial indignado perde a paciência e solta a frase icônica:  “Vada a bordo, cazzo”. Volte a bordo, imbecil. Assum sua liderança, não seja covarde. O comandante não pode abandonar o navio. Na greve de vontade de gritar: “Vada bordo!”

 Então, o problema da greve nunca foi fazer greve. Nunca foi. De maneira alguma. Durante, na minha gestão, teve greve. Só não teve mais porque vivemos uma a pandemia. Mas nos dois primeiros anos tivemos greves. E eu sempre debati. Em 2019 fui para Assembleia dos Alunos que decidiria a greve. Pedi para falar e disse:  “olha, pessoal, aqui com toda a transparência e lealdade, para mim greve é sagrada. Quem quiser fazer greve, garanto que não será punido, não terá falta, não terá qualquer tipo de sanção. Greve é algo que vocês, achando que tem pauta, tem que fazer. Eu vou assegurar que todo mundo que quer fazer greve faça greve sem ser perseguido. Agora, já antecipo que não vai ter coação a quem quiser assistir aula. Se durante a  greve, tiver algum professor dando aula e aluno querendo assistir aula, e vocês precisarem entrar na sala para convencer os colegas a sair e o professor não deixar, me procurem. Vou ao professor e peço para ele deixar vocês falarem. Ninguém vai ser impedido de fazer movimento grevista. Agora, se coibirem alguém de entrar na Faculdade, se usarem de violência ou constrangimento, estou avisando aqui na frente de vocês em assembleia, podem me vaiar, eu vou abrir sindicância e vou punir”. Porque violência não se aceita. Eu fiz movimento estudantil durante  meus cinco anos de graduação. Eu fui diretor do DCE. Sei fazer luta política e a importância dos estudantes tensionarem. O problema está no movimento adotar posturas autoritárias e querer impor suas pautas na greve pela coação e pela força. Isso é coisa da extrema direita, não de democratas que acreditam na política. Em 2019, no dia da greve começaram a querer por banco na porta. Eu chamei o segurança e falei: “pode tirar, eu estou mandando, e vou ficar aqui para ver quem vai impedir, porque quem impedir está sendo violento…”. E aquela greve transcorreu, tranquila até que  assembleia deliberou por retomar as aulas. Ninguém foi punido.  O problema é a liderança [da Faculdade] abrir mão da liderança. E aí o que aconteceu na greve [de 2023] foi que uma parte dos alunos tomou a Faculdade. Não pode acontecer. Teve caso de professor que quase foi agredido porque queria entrar no prédio. O diretor não pode aceitar pedir autorização para entrar e sair da Faculdade. Ele não é só o diretor. Ele representa a Faculdade. E não se tratava, como ora e vez de diz, e evitar uma desocupação violenta. Tem métodos e métodos de dissuadir. Primeiro não deixa ocupar. Depois que ocupou, você avisa que vai tirar, se não tirar, você documenta quem está fazendo isso, abre sindicância e, se precisar, pode fazer isso sem qualquer problema. Ocuparam a força a Faculdade? Corta a água, corta a luz, passa um dia, passa dois dias, uma hora vão ter que desocupar. Mas você tem que tomar pé. E aí o que aconteceu? A Faculdade toda foi ocupada e liderada por um conjunto de alunos, que depois se viu, que não eram mais do que 10, 15% do alunado. Isso é uma violência de uma minoria contra a maioria. 

Embora a greve tenha que ocorrer, você só desenvolve cultura política fazendo luta política. Faltou coragem para fazer luta política e travar o bom combate. Sob a alegação de evitar a violência contra os alunos se entregou a direção da faculdade a uns poucos alunos e alguns assessores a soldo de gabinetes da Assembleia Legislativa. E, nessas ironias da história, três meses depois, vimos algo inédito. A polícia militar batendo em aluno dentro da Faculdade. E a direção assistindo entre plasmada e impotente. Isso não dá para aceitar, nunca a Polícia Militar tinha entrado para bater em aluno dentro da Faculdade, nem na ditadura! O Pinto Antunes, que era um diretor conservador, um homem cordato, um homem até um tanto temeroso, não deixou a polícia entrar. Como é que a polícia vai bater em aluno dentro da Faculdade? E sem uma reação firme e altiva da liderança? Creio que nos dois casos faltou coragem tanto para evitar que a Faculdade fosse ocou pada por alunos como para impedir que ela fosse ocupada pela polícia. Nos dois casos os prejudicados foram os alunos.

Entrevistador: O senhor se refere ao caso que aconteceu com a ida do Governador Tarcísio? 

Floriano: Nada contra um Governador do Estado ir à Faculdade. Mas eu,  neste momento, não aconselharia o governador a ir. Mas é direito dele ir acompanhar uma solenidade. Se fosse eu o líder faria duas coisas. Primeiro pedir que a polícia não entrasse na Faculdade. Depois combinaria com os alunos que se manifestassem, mas sem cercar o Salão Nobre ou encurralassem os visitantes.  E quando começasse a tensão e a postura marcial da polícia eu iria ao Salão Nobre para pedir ao Governador que fizesse impedir o que aconteceu. 

Eu vou te contar uma história aqui sobre isso. Quando em 2019, ou não, 2018, uma professora veio pedir se eu podia ceder o salão nobre para uma formatura da Academia da Polícia Militar. E com o maior gosto [autorizei], só que com uma condição: não vai entrar policial armado. Entrei em contato com o coronel que comandava a PM e combinamos que os que viessem, viessem desarmados. Quem não puder andar desarmado, eu combinei que na diretoria ficaria um oficial para custodiar as armas dos oficiais. Entram no salão nobre sem arma e, assim, foi. Ninguém entrou armado, fizeram a formatura, eu falei na formatura, saudei os formandos. Não tenho nada contra a polícia, mas na Faculdade não pode entrar armado, a menos que esteja perseguindo um assaltante, evitando um estupro, é uma outra coisa. Então, é preciso ter coragem e aí coragem significa também dizer não. Significa fazer luta política, o que é normal, acontece. Cansei de receber aluno, vocês não eram alunos ainda. Perguntava: “qual é o tema? Este e este. E respondia:  isso aqui eu concordo, isso aqui conte comigo, isso aqui esquece, não será na minha gestão. Isso aqui não, isso aqui sim”. E assim você vai construindo um diálogo franco. Quando vieram: “ah, queríamos propor trocar o nome do auditório para ‘Rubino de Oliveira’, Disse na hora: contem comigo!  Pode deixar, é um compromisso meu, eu assumo que eu vou aprovar na congregação”. E, assim, se faz luta política. 

Agora, você tem que ter liderança e disposição para fazer as coisas andarem. E disposição para assumir um caminhão de trabalho. Mas você tem que fazer. Quando você tem clareza do que tem que fazer, é arregaçar as mangas e tocar. Como disse, eu fui beneficiário do trabalho do José Rogério que  me deixou um caderno com umas coisas que tinham sido feitas e as que faltavam. Quando você sabe o que fazer você tem que ter só disposição para fazer. Problemas vão surgir, vai ter gente contra, mas você vai, enfrenta e consegue fazer. Então eu acho que a gente teve um retrocesso. E me penitencio, sou culpado disso. Porque participei ativamente na minha sucessão, mas as pessoas não correspondem às vezes àquilo que você imagina que elas vão corresponder. Tudo bem, acontece, pessoas são pessoas, são fortes, são fracos. Mas a gente não pode ficar muito tempo parado. A inércia,  a dificuldade de decidir, a falta de prioridades, a fala de coragem faz os  problemas crescerem,  causa enorme dano para a comunidade. E nos faz ficar para trás. Vocês são alunos de que ano? 

Entrevistador: Eu estou no quinto. 

Floriano: Você no quinto ano, então você fez 2025, 2024, 2023, 2022 e 2021. 2020 e 2021? Você pegou dois anos de pandemia, que foram bastante pesados. Aí em 22, eu deixei assinado o contrato para reformar o restaurante, porque, com a vinda dos alunos cotistas, o restaurante que é muito tímido, passou a ser insuportavelmente pequeno, horrível, insalubre. Nunca devia ter sido instalado lá. É um erro. Mas quando você tinha 15, 20 por cento do alunado que usava o restaurante, era uma coisa. Quando você tem 40 ou 50% é oura. Deixei contratada a construção de um novo restaurante no térreo. A previsão dele era ser inaugurado no ano letivo de 23. A obra ficou meses parada por falta de empenho para assinar um aditivo simples. Precisou o Reitor interceder. Pior. Como falei ela está pronta e não pode ser usada por falta de mobiliário e equipamentos. Mas como você sabe que vai terminar uma obra e você não faz a compra dos equipamentos? A USP nunca teve tanto dinheiro. A Faculdade deixou de receber dinheiro por falta de cumprimento de prazo. Então não era um problema da USP não ter dinheiro para comprar a estufa, geladeira, mesas, cadeiras. Isso já estava desenhado, quando eu desenhei o projeto do novo restaurante, estava desenhado o que que ia ser preciso, estava tudo especificado. Eu saí em fevereiro, em março tinha que ter a licitação para entrega dos equipamentos. Tocar obra dá trabalho. Não tem jeito. Tem que estar lá todo dia. Eu fiz uma reforma, na pandemia, no porão e a obra saiu no prazo.

Entrevistador: Professor, o senhor me permite voltar por um momento à greve. Então, eu entendo que o problema para o senhor foi o que chamam de piquetes…

Floriano: Não, você entregar a direção da Faculdade para um grupo de poucos alunos e lideranças políticas que dirigiram o processo de fora da Faculdade. Piquete é normal. Decreta a greve e vai para a Faculdade, para a porta das salas fazer o convencimento dos colegas. Não bloquear a entrada, fechar a porta, ocupar o espaço público. Isso é uma forma antidemocrática, violenta.

Entrevistador: Muitos alunos contestaram um texto do senhor, que era o “8 de janeiro nas Arcadas”, que foi um texto, o qual gerou indignação nos alunos. Falou-se também que, na década de 60, teve uma tomada da Faculdade nos modelos fechados. Queríamos ouvir do senhor, primeiro sobre o texto, e depois, o que diferenciaria a tomada da Faculdade naquela época para hoje. Por que naquela época foi legítimo ou não foi legítimo em comparação aos eventos de 2023? 

Floriano: Ótimo você lembrar deste episódio. Meu texto era uma chamada a reflexão e um convite ao debate político. A reação daquela minoria de alunos foi vertida com violência e pobreza de argumentos. Pior. Com um esforço de me caracterizar como um direitista, autoritário, repressor. Justo eu. Seria mais verossímil de me chamassem de gigante rsrs. Sobre a ocupação de 68, comparação de quem não conhece a história. A tomada da Faculdade  em 68 era um movimento de resistência a um regime opressor.  Não me consta que a gente viva hoje  uma ditadura, salvo engano.. Segundo,  a Faculdade foi ocupada porque naquele momento aquilo virou uma reserva de espaço para alunos que iam ser presos. E a ocupação foi uma ocupação feita para permitir que o diretor da época negociasse que os alunos que estavam protestando contra a ditadura e tinham se entrincheirado na Faculdade não fossem presos. Você precisa, para fazer debate político, você precisa entender história. Havia uma ditadura e um movimento de resistência, a repressão chegou, por uma questão de atuação de alguns professores não entrou na Faculdade e os alunos ficaram acantonados na Faculdade para não serem presos, porque eles não queriam fugir e sair como cachorros, eles queriam sair altivamente. Era muito mais um movimento de resistência à prisão dos estudantes que estavam fazendo protesto contra a ditadura do que propriamente impedimento de aula. Não era algo contra a Faculdade, mas contra a ditadura junto com a Faculdade. Essa era a bandeira. Não vou dizer que bandeiras legitimam violência, mas aí a violência era uma violência para proteger os estudantes da prisão. Tanto que, anos depois, entraram na PUC e prenderam alunos. Foram sabendo quem eles iam prender. Então, foi um momento, primeiro, de luta política contra um movimento de ditadura e a Faculdade ficou parada porque lá estavam aquartelados estudantes protegidos pela instituição, primeira coisa. A diferença entre os dois momentos é tão patente que a tomada de 68 entrou para história como um evento de resistência. E a greve de 2023 vai ficar como um momento pândego, como a greve dos ovos mexidos e placa de júblilo. A um só tempo violenta e ridícula.

A questão lá da ocupação da Faculdade [em 2023] era para fazer uma greve ser um sucesso, se é que possível uma greve ser sucesso sem convencer e constrangendo. Agora, quando você tem uma ocupação do espaço público, a ocupação com potencial destrutivo de uma instituição pública e o recurso à violência para impedir que isso seja recuperado, o que é isso diferente do 8 de janeiro? “Ah, o 8 de janeiro queria derrubar o Estado de Direito”. Mas o impedimento de um aluno que quer ter aula, o  impedimento de um professor entrar no prédio é coadunado com o Estado de Direito? Não me parece que seja. O movimento que quase agrediu o professor Paulo Martins na FFLCH é em que diferente do 8 de janeiro? Me diga? Porque no 8 de janeiro os golpistas  tinham um porretes e armas e lá os estudantes da FFLCH  só tinham mãos e pernas para quase golpear um professor sério como o Paulo que democraticamente foi dialogar com os estudantes e foi agredido? Tenha dó. Se isso não é violência dentro de um ambiente universitário, não sei mais o que é. O ambiente universitário é o ambiente em que você debate, senta à mesa  de negociação respeita o interlocutor. Fazer greve democrática é aprovar a paralização e vir à faculdade convencer os colegas, debater a pauta com os alunos que apoiam e os que não apoiam a greve.  Quem for contra e quem é a favor. E isso é luta política.

Empilhar carteira e evitar que as pessoas cheguem… o que que isso é diferente daquilo que a gente quis evitar no bolsonarismo? “Ah, nos não depredamos”. Empilhar móveis é dar uso adequado ao mobiliário recém reformado? Não causa dano? Eu provo que danificou, embora ao final da greve a direção da Faculdade tenha tentado passar pano, quase que fazendo aqui uma anistia que os bolsonaristas tentam passar em Brasília. Será que esqueceram tudo sobre as diferentes acepções de violência? Ocupar um edifício público e fazer barricadas não é um ato violento? 

Em 88 fiz greve na USP apanhei da polícia em plena Paulista. Eu era um pentelho, eu batia boca com professor na Congregação. Eu nunca deixei de fazer luta política, mas a mim me parece que a violência não faz sentido. Você afirma que meu texto, que sustento até hoje, deixou estudantes indignados. Porque o meu texto fui eu mesmo que escrevi. Que estudantes? Só se for os que estavam a praticar violência e perceberam isso lendo o texto. Mas na eleição seguinte para o XI, o grupo dos indignados sofreu uma derrota rara, acachapante. Sinal que se houve indignação ela não se converteu em solidariedade. Foram rejeitados pelos próprios estudantes.

Ainda que fosse um movimento majoritário, e não era, você utilizar estes métodos de bloqueio para fazer vingar uma greve significa que você não acredita na sua capacidade de convencimento. Eu até acredito que uma medida protetiva, um comportamento mais radicalizado, poderia até ser pensada se a instituição estivesse reprimindo a greve. Por exemplo , se o diretor editasse uma portaria dizendo que os alunos que não comparecerem à aula vão ser punidos, vão ser receber falta, se faltarem mais de tantos dias vão ser jubilados, esta repressão que impediria o movimento legítimo de greve. Se é assim, sobe o tom. Vamos fazer passeata, vamos chamar a atenção para a repressão ao legítimo direito de greve. Porém não me consta que alguém foi ameaçado se fizesse greve. Muito ao contrário. Na greve a direção dedicou horas reunida com os estudantes. Todos que quisessem podia fazer greve. Num contexto em que não se está reprimindo nada, você recorrer a uma violência de constranger as pessoas a não entrar no mínimo significa que não tem aderência entre o seu quadro. Veja, na greve dos metalúrgicos, os caras perdiam o dia, perdiam o salário e ninguém entrava. Não tinha coação, violência, para não entrar. Tinha um constrangimento, “fura greve”, “traidor “, “ vendido”. Tudo bem, faz parte do jogo. Mas quando há coesão, quando há pauta verdadeira (não o desejo de ter uma placa nas Arcadas) não precisa disso. Fazer isso para quê? Para copiar um modelo de um bando de guris que fez a invasão secundarista. No meu tempo secundarista copiava o movimento estudantil da universidade. Na greve foi o contrário. Uma página da infantilização do movimento. Só para postar na internet posando de revolucionário em ambiente controlado, em que não havia possibilidade de repressão? Realmente um desastre. 

Portanto, a ocupação da Faculdade em 68 não tem nada a ver com a tomada da Faculdade na greve. Quando  o debate político cede lugar à violência simbólica ou física, derrotada é a  política. Então aquilo foi uma página absolutamente desastrosa e foi tão desastrosa que ela foi julgada desastrosa por quem mais pode julgar, que é o estudante. Eu, em cinco anos de militância, eu nunca vi um incumbente ter 15 por cento dos votos. Isso diz muito. 15 por cento dos votantes! Se você pressupõe que os votantes são mais engajados que os que não vão votar numa eleição, e você teve algo como 48 por cento dos alunos que foram votar. Você imagina o grau de representatividade. E não ganharam nenhuma outra eleição depois, por quê? Porque você tem que saber o que a tua base quer, você tem que saber qual é a luta política a fazer. Eu não tenho dúvida, não tenho dúvida que se hoje qualquer liderança estudantil chamasse uma greve por melhoria dos métodos pedagógicos, melhoria das ferramentas de estudo e de espaço de estudo, teria uma adesão maior, porque isso é uma coisa que os alunos se ressentem. Porque isso você precisa ter, quando você vai para o mercado, vai para a judicatura, vai para o Ministério Público, onde cada vez mais, na advocacia, no Ministério Público, na judicatura, se usa inteligência artificial e você não tem nenhuma experiência, nenhuma oficina, nenhuma atividade que permita você operar inteligência artificial no direito. Com uma ou outra exceção como os esforços  de reflexão do professor Juliano Maranhão; A Faculdade não se atendou pra isso, está ficando pra trás. Mais um exemplo de como a inércia da liderança é destruidora na prática. A Faculdade está falhando em trazer, apresentar esse mundo os estudantes que, embora ainda de futuro incerto, já está na pauta, a gente sabe disso. A gente conhece e faz uso do Chat GPT, só que as ferramentas de IA para o direito são outras. E o STJ hoje tria recurso, o filtro de admissibilidade de recurso especial, é feito com inteligência artificial. Como os alunos não são capacitados para entender como é que funciona? Como é que eu vou ser operador do direito? Estamos atrasados.

Entrevistador: O professor foi uma pessoa muito alvo de críticas naquela época do texto publicado no “Conjur”, que foi um tempo difícil, eu acho que é a primeira vez que o senhor está falando sobre isso com os estudantes, como algo que planeja ser publicado… qual foi o sentimento do senhor?

Floriano: Como eu disse,  meu texto era um texto para fazer luta política. E a reação dos estudantes era esperada, não tem nenhum problema, porque luta política se faz assim.. Seu que não existe essa coisa de você assumir uma posição e querer que o mundo bata palma, nenhum problema. A resposta dos alunos, isso me decepcionou, foi pobre e agressiva. Erraram o tom porque ao invés de debate político foram para a agressão. Que como falei não cola porque tenho uma longa história em meu favor. O meu problema nunca foi com o estudante. O que eu disse eu continuo mantendo: aquilo é uma violência que interdita o debate, interdita a boa luta política. 

A liderança da greve cometeu muitos erros. Na pauta, na forma e na reação. Atemorizaram os covardes. Mas perderam a luta política a ponto de encerrarem a greve com a risível pauta de pedir uma placa em louvor.  

Tem algo que a história ensina que é a seguinte: sempre há na dialética histórica forças conservadoras e reacionárias, de um lado, e de outro forças que empurram a história. Essas forças que empurram a história, elas são vítimas da violência, elas não podem ser promotoras da violência. Sabe por quê? Porque, se as forças que empurram a história adotarem como premissa a violência, elas se transformam de empurradores da história em mártires da história. E mártir é bonito para estampar camiseta, talvez para ser lembrado numa placa, mas não para fazer a história andar. Por quê? Porque as forças reacionárias, as forças conservadoras, elas sempre terão mais capacidade de fazer violência, de exercer a violência do que as forças que empurram a história. Porque a violência é própria da direita, do opressor. A menos que eu acredite que é possível você ter no século XXI a tomada do palácio de inverno. Quem quis tomar os palácios no 08 de janeiro foi a direita.  Se a gente faz a aposta na violência, estamos lascados, vai ser na paulada. E os progressistas perderão. Não importa que você tenha a maioria da população brasileira de negros, pretos e partos. Se for na violência, a minoria reacionária vai vencer pois a violência é seu terreno. 

No movimento antiapartheid, enquanto o Mandela fez a aposta na violência, ele amargou a prisão. Quando ele mudou a chave, ele derrotou o apartheid. Na paulada as forças conservadoras ganham. Então, é ludicamente burro quem acredita que usando método de violência ganha a luta política e empurra a história. Na violência oprimidos, os desafiantes do status quo,  sempre vão se dar mal. Por quê? Porque as forças conservadoras têm a violência na mão deles e têm o monopólio da violência legítima do Estado.  Para a polícia passar e tirar aqueles meninos lá da Faculdade demorava 15 minutos. Mas isso não era admissível. Nem necessário. 

Há uma romantização da violência por parte da esquerda. Que talvez nunca tenha sido reprimida de verdade pela polícia. Você já esteve frente a frente à tropa de choque? É impossível. Você pode ter 3.000 pessoas, quando A tropa de choque perfila é incontendível. Eles vão passar por cima, porque é uma força militar, que vem para cima com método. Aquele negócio da praça Maidan, na Ucrânia não é bom exemplo. As forças de repressão não quiseram agir. A repressão chinesa quando decidiu acabar com Tinanmen, passou em cima!. Então, vamos pensar que o recurso à violência, ela é conceitualmente incompatível com quem é democrata e ela é pragmaticamente uma burrice, porque em vez de empurrar a história, as forças de reação vão nos empurrar para trás. Quando se adota a violência, pode ser bonito para você botar no Instagram, mas é uma opção equivocada, vai dar ruim. E depois é o seguinte, a reação quando vem, ela nunca devolve você para o ponto que você está, ela sempre te empurra mais para trás. Então, é pragmaticamente uma burrice e conceitualmente uma contradição. Então, essa luta política eu faço com quem quiser, e assumo  a reação. Eu não estou velho a ponto e não compreender a realidade e os interesses na luta política. Sou absolutamente empolgado com o debate político. Desde a graduação. Só que agora, com a idade, a gente ganha pouquinho mais de vivência, mais acervo. Provavelmente quem defende métodos violentos em post do Instagram  nunca tomaram borrachada. E posso dizer que dói para cacete e demora para sair o vergão.

Podem tentar me chamar de ditador, direitista, autoritário. Não cola. Contra rótulos e aleivosias juvenis há o contraponto da história. Mas violência não é uma alternativa, nunca.

Entrevistador: Professor, sobre essa sua expressão, “não estou velho e ainda estou empolgado”, eu queria entender, o senhor teve uma gestão considerada de vitrine, eu me lembro que, quando eu entrei na USP há cinco anos atrás, eu estava no conselho universitário, eu trabalhei até na CLR com o senhor, fui representante discente lá, e se falava muito que o senhor era um dos possíveis “reitoráveis”, para o futuro, de compor uma gestão da reitoria. Enfim, o senhor era muito bem falado entre os diretores das outras unidades e, à época, o XI de Agosto também tinha uma reação muito positiva em muitas coisas sobre a gestão do senhor, a reforma do porão, entre outras medidas, o que o senhor acha que deixa de legado como projetos sociais? Lembrando que o senhor também foi o primeiro diretor a trazer a inclusão de alunos por cotas, então quais são os legados que o senhor acha que deixa para a Faculdade com sua gestão apontada como de vitrine?

Floriano: Olha, eu não acho que tenha sido uma  gestão de vitrine. Como eu te falei, eu devo muito ao José Rogério. E não faria quatro anos que acabaram virando dois se não tivesse um caminho plano. Eu gosto muito da USP e devo a minha vida à São Francisco. A São Francisco é tudo, basicamente tudo que eu consegui, eu devo à Faculdade. Eu acho que o principal legado, que é o mais forte, foi recuperar um pouco o espírito do franciscanismo. As pessoas veem os programas pelos seus resultados, o que é muito positivo. Foram importantes conquistas, poderia estar muito melhor. O “Adote um Aluno” praticamente foi congelado porque não teve muita tração de impulso da liderança. Mas continua lá, mal ou bem, oferecendo suas cem bolsas. Quero que ele seja alavancado. Porém o mais importante nos programas é que eles existem hoje justamente por aquilo que eu considero meu principal legado: dar uma reaglutinada no espírito franciscano. Porque, como eu dizia, os programas são vistos pelas cem bolsas, pelas salas reformadas, mas o que é mais rico nesses programas é quem financia e por que as pessoas financiam. Quem financia é o cara que se sente pertencente à São Francisco. Eu vou te contar duas historinhas, do que eu chamo de meu maior legado, que é o mais emocionante. 

A primeira historinha, a gente assiste quase toda semana na Faculdade. Vocês já devem ter visto. Eu  vi mais de uma vez, já ali no pós pandemia, na reta final do meu mandato, quando em 2021 saímos do lockdown. Um antigo aluno na Faculdade com o filho ou filha adolescente  mostrando a sala que ajudou a reformar, procurando seu nome na placa. 

A outra passagem foi contada por um colega de turma, que é sócio de um grande escritório. Disse ele que um dia o procurou um estagiário, que não era da equipe dele, que ele nunca tinha visto. Chegou, bateu na porta e falou: “doutor, posso falar com o senhor? Eu vim agradecer o senhor”. Meu amigo, um tanto surpreso, devolveu: “Agradecer por que ?”. E o jovem emendou:   “Queria  agradecer pois sou aluno do quarto da Faculdade e neste semestre estudo na sala tal; Vi lá que o senhor ajudou a reformar. Olha, muito obrigado, aquilo é uma maravilha, eu fui ano passado estudar na sala não sei o que, que era antiga, está caindo aos pedaços. Agora mudei pra essa sala, novinha, e eu vi lá o seu nome. Muito obrigado, porque isso muda tudo”.  O meu amigo me ligou emocionado. Porque aquilo é a materialização desse nosso sentimento de pertença ao universo franciscano. Poucas salas foram reformadas por um doador só. A maioria é uma soma de doadores. Um conjunto de pessoas que participaram porque queriam lembrar a turma, tiveram a ideia na festa de não sei quantos anos de formatura. Então esse amálgama é muito valioso, esse sentimento de devolver algo.

Por isso que, mesmo sem nenhum esforço ou incentivo da atual liderança o “Adote uma Sala” continuou. O pessoal da Associação que eu lá trás trouxe para ajudar na operacionalização do programa (pois não queria que o dinheiro fosse administrado junto com os recursos do orçamento para não travar tudo) adotou a ideia e deu continuidade. Continuou puxando esse negócio e hoje mesmo sem grande impulso, sem grande apoio institucional, continuou. Então é um legado, porque mesmo sem ter um grande empurrão da gestão, ele anda. De tão forte, ganhou autonomia. E o que que faz essa autonomia? É o gosto que a gente tem daquilo, é o vínculo com a Faculdade. Vocês vão se formar daqui a um ano, meses. O que mais a gente quer quando está chegando ao final do curso é continuar tendo algum vínculo. Então se você percebe que, doando  R$100 por mês para o “Adote um Aluno”, estará fazendo alguém ter um pouco mais de conforto, poder comprar um livro, poder ir ao cinema ou poder pegar um transporte ou fazer qualquer coisa que o bolsista precisa, você vai querer ajudar, vai querer fazer parte. A ideia é potente. Mas precisa de um esforço permanente de divulgar os programas, dar apoio e defender esse legado. Sem isso, míngua. 

É muito potente essa ideia de poder ajudar, de fazer parte de um esforço coletivo que resulta em benefício para a coisa pública e para quem precisa. Meu pai era um sujeito discretíssimo e atavicamente benemérito. Ele não podia ver alguém precisando, que ele dava um jeito de ajudar. E ele sempre fazia questão de  ficar anônimo, ele não queria muito ser reconhecido. Um dia eu falei a ele: “Pai, às vezes acho você um tanto ingênuo. Alguém alega dificuldade e você dá dinheiro, doa bens. Você não desconfia que seja golpe, ardil?”. E ele, com a sabedoria dos mais velhos, respondeu: “Filho, deixa eu te falar uma coisa. Fazer o bem é o maior ato de egoísmo que eu me permito. Porque faz mais bem para mim do que para quem eu ajudo. Não se preocupe com isso não, eu faço por mim mesmo.”. Você poder ajudar, o antigo aluno poder ajudar, alguém que – e isso a Faculdade oferece —  não é um outro, é parte de nós. Tenho que essa ideia é uma coisa que vocês alunos tem que apostar muito. Mesmo para aqueles que às vezes acham que a inclusão é para fazer a revolução, propiciar revanche histórica ou derrubar o sistema. Pode fazer também, fazer a revolução também é uma aspiração legítima. Mas, assim, quando você entra na Faculdade, você não ganhou uma carteirinha, um acesso a uma ótima escola de direito. Você não ganhou apenas  a oportunidade de ser bacharel com um diploma lustroso. Isso você também consegue em outras boas  faculdades. 

Ao entrar na São Francisco você ganha o direito de fazer parte de uma comunidade única! E aí não tem jeito,  você é parte de uma comunidade. Os outros membros, tenham 20, 40, 80, cem anos vão te tratar como igual, como um dos nossos, aonde quer que seja, seja quem quer que seja. Do ministro do Supremo ao juiz de comarca, do Presidente da República ao colega que virou jornalista. Somos franciscanos. É até irritante para quem não faz parte. Um jovem como vocês encontra um sujeito da minha idade e, ao saber que vocês estudam na Faculdade já se torna seu amigo. Você faz parte de uma confraria, você faz parte de uma comunidade, isso é o sentimento de comunidade que te dá pertença. Tenha estudado o ano que for, tenha gostado ou não do curso, você é parte de uma comunidade. E você vai encontrar pela vida gente que sai do direito, que vai brilhar em outras áreas. Mas é sempre franciscano. Da minha época de graduação, tem o Toffoli e o Alexandre, mas tem a Fernanda Feitosa, também colega de turma que criou a SP-Arte, o Heitor Ferreira, que foi presidente da Bienal e hoje preside o MASP, o jornalista Pedro Bassan, tinha o Daniel Piza que faleceu, o Clovis de Barros Filho. Entende? E todo mundo vai falar alguma coisa, porque é uma comunidade, é um negócio que você é parte. Desde o momento em que você entra até o momento em que você deixa a folha dobrada, os franciscanos entenderão. Esse sentimento, e é isso que eu tenho batido muito, olha, é o que nos une. Tenho insistido, falado para os alunos, muitos deles cotistas. Antes das políticas de inserção, vocês não podiam fazer parte, vocês tinham bloqueado o acesso a essa comunidade. Agora, vocês tem a oportunidade de fazer parte dela, se apropriem. Ela é de vocês também. Não é uma coisa alheia, terreno do inimigo. É de vocês, vocês são donos dessa comunidade também  Aproveitem, se apropriem disso. Muitos têm percebido. E essa é a magia. Os programas de inclusão tornaram mais plurais os membros dessa comunidade e isso é riquíssimo. Eu daqui a 20, 30 anos vou querer ver, sei que vai acontecer, ter um franciscano negro, ministro do Supremo. Uma ministra mulher formada na Faculdade. Um franciscano, uma franciscana que não vai negar sua origem. Somos todos franciscanos, apenas e ainda bem não são mais todos como eu, assim, branco, classe média, paulistano. Há muito mais diversidade, isso é o que faz o nosso amálgama. E é isso que eu tinha como legado, tive como legado, de trazer esse sentimento. Se você gosta tanto da São Francisco, então vem me ajudar, vem cá, junta os teus colegas, os teus contemporâneos, vamos reformar uma sala, porque eu garanto que você vai ser agradecido. Mas, eu te garanto que a comunidade vai reconhecer você, como reconhece. As pessoas vibram em participar, em ajudar.

No semestre passado, terminei de dar aula numa sexta-feira. Ai fui caminhar pelo terceiro andar e vi que o todo ele está praticamente  reformado, todas as salas. Todas tinindo e com as placas com dezenas de nomes dos doadores.  A  Faculdade é uma potência nesse sentido. Voltando à sua pergunta sobre o legado, eu acho que o meu legado foi poder recuperar um pouquinho essa coisa de trazer as pessoas para junto e fazer esses sentimentos se transformarem em melhorias para a própria Faculdade. E, olha, se eu fizer uma lista do que tinha para fazer na São Francisco, eu acho que eu dei cabo de 10 por cento, tem muita coisa que precisa ser feita. Pena que os programas perderam um pouco de tração porque eles dependem de um permanente impulso da liderança. E hoje paira uma ideia de que as doações não são bem vistas pelos alunos, o que é falso. Só uma minoria acha isso, mas é preciso coragem para travar o bom debate. Colher os louros é fácil, se contrapor às críticas é que é difícil.

Entrevistador: O senhor ainda tem esses caderninhos? 

Floriano: Tenho, tenho. Eu juntei todos. Guardo esses caderninhos, porque tem passagens pitorescas, assim, ilustrativas. Eu estou escrevendo um livro, que tem, assim, o título de “Um administrativista administrando. Pena que depois eu fui para o TSE o tempo ficou escasso. Eu conto passagens desse périplo de como foi o desligar e religar a  Faculdade na pandemia. Algo imprevisível e impensável. Em uma semana tivemos que colocar todas as aulas de graduação e de pós no modo virtual, com professores que mal usavam computador. Pode parecer pouco, mas isso não é pouco não. Adesão de 93 por cento dos professores ao modo virtual. A coisa deu muito trabalho, mas conseguimos. Fomos um das unidades da USP que mais rápido se posicionou, não tivemos grande prejuízo na continuidade do curso, apesar da tragédia que foi a pandemia. Só não aderiram poucos professores que tinham ressalvas ideológicas ou axiológicas a AED. Mas depois, no final de 2020, entre a opção de terem que dar os créditos presencialmente (ainda havia risco elevado de contaminação) de forma concentrada, acabaram aderindo e deram as aulas de forma virtual e por quinze dias seguidos todos os dias. No fim, vencemos.

Entrevistador: Dos outros 90 por cento de coisas que precisam ser feitas, o senhor consegue citar alguns exemplos para nós? 

Floriano: Ah, tem. Tem muita coisa. A digitalização do acervo da biblioteca, isso é uma coisa fundamental. A sala Pró-Aluno precisa ser reformada, é uma coisa decente. A implementação do projeto que está por trás da biblioteca, os terminais inteligentes. Eu acho que a gente tem uma coisa que eu tinha avançado, mas não consegui avançar, retrocedeu mais ainda, é outro tema que retrocedeu nos quatro anos. É preciso ter um espaço de vivência na Faculdade. Por mais que você faça, você precisa ter um espaço de vivência, além do porão. Um lugar onde depois da aula a gente possa falar: estou com um tempinho, vamos tomar um café. Essa coisa de tomar um café, não é à toa que existe esse termo “vamos tomar um café”. Porque é um espaço de vivência, você tem que ter. Eu tinha feito o café lá. Descuraram do tema e o concessionário devolveu. E nada mais foi feito. Temos um espaço nobre, ocioso. Restauramos aquele espaço, o espaço foi restaurado, embora com recursos privados, foi um gasto grande para restaurar. Tudo com aprovação do Condephaat.  Ficou bonito, mantendo as características originais, aí veio a pandemia e a gestão não soube lidar com aquilo, o particular devolveu. Se bobear virou depósito de coisas inservíveis. Mais um. É preciso ter um espaço de vivência, porque os alunos e os professores, ainda mais que o centro está ilhado. Outro tema o restaurante universitário. Cuidei de projetar e de contratar um novo restaurante no térreo do edifício Anexo. Amplo, arejado, um lugar decente. E até hoje não foi entregue. Esqueceram de comprar mobiliário, fornos, geladeiras, estufas. Há quase quatro anos! E a qualidade da comida que servem aos alunos, um problema de saúde pública e nada é feito. 

A reforma urbanística da Riachuelo. Tinha um projeto aprovado na prefeitura, não sei se vocês conhecem. É um projeto bacana, que você alargava um pouco a calçada da Riachuelo Retira o estacionamento dali, , alargava a calçada e aí, como é em declive, você fazia decks, para o aluno poder sentar, conversar, etc. Isso foi um projeto, a prefeitura na época do prefeito Bruno Covas e depois no começo do Ricardo Nunes também estava comprometido a fazer. A gente chegou a negociar com a CET, que queria manter o leito para passar ônibus, mas isso não seria problema. 

Outra inciativa que não sei como anda é o espaço para as atividades de extensão. Com a saída da biblioteca, fazer lá embaixo, onde é a circulante hoje, um espaço para as extensões, com salas  e espaços generosos. No próprio prédio histórico, lá no térreo tem um pedaço da circulante, aquilo tudo vai para a biblioteca nova, então aquilo lá ficaria um espaço para as salas de extensão. Lá é enorme. Estava no plano diretor.

 O que mais tinha para fazer? O prédio da Senador Feijó, tinha lá toda uma dedicação que a gente tinha de reformar aquele prédio, fazer lá salas de estudo, fazer lá um outro conjunto de salas de reunião, etc., projeto “coworking”. 

O projeto de moradia lá no Centro. Erra quem pensa que cuidar da mordia é problema da SAS, da Reitoria. Estamos no Centro, a direção da Faculdade tem que atuar. Tinha um projeto bacana de criar vagas de moradia no centro. Conjugar os retrofits do centro com a bolsa moradia que a USP tem, fazer um pacote de bolsa moradia e fazer um fundo, o Fundo Sempre SanFran até topa entrar. Um fundo de arrecadação pra fazer, então, por exemplo, um imóvel desses de retrofit, tem um que é praticamente desocupado, cobra R$ 1.000, R$ 1.200 de aluguel. Você monta um mix com o R$ 200 pagos pelo aluno,  a  USP paga R$ 500  que é o valor do voucher, o Fundo cobriria os outros os outros 500. De modo que o aluno morasse em frente à Faculdade no prédio, num apartamento novo e você dá uma aliviada na demanda de moradia de alunos. E aquilo, se você tem uma massa de 500, 800 alunos, e você faz esse fundo, outros empreendedores fazem, por quê? Porque você, tendo esse lastro USP mais o Fundo, você tem uma garantia de locação, então você faz um contrato de longo prazo com o empreendedor. A USP junto com o Fundo faz um contrato de locação e aí como é que você designa? Faz a qualificação pela SAS (Supervisão de Assistência Social), que é de prioridade de maior vulnerabilidade para menor. Você pega e fala assim, ó, nós temos aqui 200 vagas. Você pega para quem mais precisa. Cria um mercado ali com o restauro do centro. Você pode iniciar com 300 alunos morando lá, no entorno da Faculdade. Com isso começa a revitalização do entorno. Ali surge um  boteco, reaviva o  comércio. Porque você vai ter trezentas pessoas morando aí num raio 200, 300, 400 metros, vinculados à Faculdade. Ai atrai outros estudantes de outras coisas, porque é o ambiente jovem e etc. Então isso é uma coisa que eu tinha já desenhado, deixei pronta. Vai ter uma parcela dizendo que isso é a “mercantilização da moradia estudantil”. Enfrenta-se o debate. Poque até prova em contrário, vivemos uma sociedade capitalista. Seja para ter moradia, seja para ter Iphone. E resolveria o problema do deslocamento do aluno, da melhoria do centro e da demanda por moradia. Mas é preciso dedicação e coragem. Ideias há. E são viáveis.

É preciso também que o prédio histórico  passe  um restauro interno. Eu deixei pronto um levantamento de qual era a pintura original e na década de 30, está feito. E tem edital do BNDES para isso. A oportunidade vai passando e não tomaram as providências até hoje. Minha ideia era deixar a Faculdade toda ela restaurada e pintada por dentro e por fora para os 200 anos. A pandemia atrasou, mas dava tempo. Agora estão tentando correr contra o tempo, temo que não de tempo. Porque não é só pintar, é recuperar a cor e a textura da pintura original de a quase 100 anos. 

No ensino também estamos ficando para trás; Veja o tema que falei, da inteligência artificial. É preciso antes de tudo colocar a tecnologia embarcada dentro das salas. Que hoje é um plug in, plug off. Não dá para depender de recursos humanos. Nosso setor de audiovisual tem só um funcionário, que se desdobra. É um desespero. Precisávamos dar um salto em tecnologia, nas classes, nas bibliotecas, nas salas pro aluno. Não é difícil conseguir dinheiro para isso. Na USP, na Fapesp ou de doação privada. Tecnologia em apelo, a Faculdade então nem se fala. Imagine o projeto Sanfra 200 anos, 3.0!  Ia fazer fila

Dizem que há coisas mais importantes. Tenho dúvidas. Mas administrar o dia a dia é muito importante. Ok, abrir palestras e congressos, receber autoridades, conversar com alunos, defender a Democracia, promover colóquios sobre o ensino jurídico. Tudo isso é importante. Mas não pode ser só isso. É pouco, é muito pouco. Em qualquer outra faculdade poderia bastar. Mas na Sanfran é muito aquém do necessário.

Pensar, incentivar, investir, inovar, recuperar tudo isso é obrigação de quem se apesenta para liderar a Faculdade.

Eu gosto tanto da Faculdade, que fico triste, angustiado. Estamos ficando para trás. E acho que deixei tudo tão bem azeitadinho que era só tocar. Os funcionários são testemunha. Converse com eles. Isso dá um dó danado.  Mesmo o que foi reformado está sendo deteriorado. Ali você tem um outro problema. Você tem que cuidar o tempo todo, tem que zelar. Porque é muita gente, muita gente. Eu fazia reunião com os terceirizados, pedia empenho, dialogava sobre o que era necessário. E dava resultado, o pessoal tinha orgulho de trabalhar na Sanfran. Todo final de ano, eu oferecia um café da manhã para eles. Essa é outra coisa que a gente aprende, quando você dá sentido no que a pessoa faz, a pessoa fica tão engajada e faz melhor. Eu conversava, conhecia os da minha época pelo nome, os funcionários da terceirizada. Eu fazia reunião com eles, reunião, em vez de falar: “manda o cara lá, tem que limpar o banheiro”. Eu falava: “pessoal, olha, o trabalho de vocês é essencial, é muito importante, o aluno não pode vir estudar e não encontrar um banheiro limpo, então eu queria que vocês me ajudassem e me dissessem o que vocês precisam”. Ao invés de falar com o gerente da empresa para ralhar com  o companheiro da limpeza, humilhar o sujeito como fazem esta espécie de feitor contemporâneo, eu fazia reunião com eles. As pessoas sentiam aquilo como parte deles, tinham orgulho. 

Vocês assistiram “Dias Perfeitos”? É um tratado sobre o mundo que a gente vive, essa compressão do tempo. A história do filme é genial. A história do filme é a seguinte: aquele filme foi patrocinado pelo dono da Uniqlo, não sei se vocês sabem o que é. É uma gigante varejista de roupas.  Tem em muitas cidades da Europa, dos Estados Unidos. É uma gigante. E dono desse império, um japonês, é um sujeito meio self-made man, ficou, riquíssimo. E aí ele quis reverter alguma coisa para a cidade onde ele começou, Tóquio. E resolveu adotar todos os banheiros públicos de Tóquio. Todos, reformou, convidou arquitetos para fazer para cada um o projeto, por isso que eles são todos diferentes. E ele mantém esses banheiros, então aquele negócio que está lá é realmente como funciona em Tóquio.  O projeto foi um sucesso e ele quis documentar aquilo, da experiência dos banheiros de Tóquio. Para autopropaganda. Só que não fez um filmete publicitário. Contratou o Wim Wenders. O pedido era: “a estrela tem que ser os banheiros de Tóquio, façam o que vocês quiserem”. Investiu 50 milhões de dólares nas mãos dos caras e façam o que vocês quiserem. E o Wim Wenders fez uma obra de arte. Mostrando os banheiros, mas mostrando também que  você consegue engajar as pessoas em algo que realmente importa, em ter as coisas bonitas e funcionando. O filme é mais que isso.. É um tratado sobre o tempo que vivemos. Mas este aspecto é essencial. A importância de cuidar, de tratar o coletivo de forma estética, asséptica, afetiva. E engajar as pessoas no projeto.

Lembro disso porque hoje virou moda desqualificar a função de zeladoria. Às vezes ouço as pessoas dizerem: “Ah, mas isso de zeladoria é menos importante, é uma coisa menor. Importante são os grandes temas. O ensino, a redução de desigualdades, o combate ao preconceito, a inclusão, a defesa da soberania.”. Bem, tenho dúvidas se tudo isso também está sendo feito a contento. Temo que não. Temo que seja só pictórico. São pautas importantes, mas zeladoria é fundamental. É respeito à Faculdade e à comunidade docente, discente e de funcionários. O desleixo, a indolência, o descuido não são ferramentas de engajamento político. Muito ao contrário.

Abrir eventos, posar para fotos, fazer reuniões e reuniões, dar entrevistas. Isso tudo faz parte das funções de quem está à frente da Faculdade. Mas é pouco, Tocar o expediente, cuidar dos temas administrativos, lutar por servidores e recursos, fazer processos andarem, resolver problemas, tudo isso não pode ser negligenciado. Do contrário a Faculdade cai no abandono. E isso apresenta cedo ou tarde a conta. 

Pois bem. Inúmeras coisas que ficaram no caminho, não deu tempo, não é por causa da pandemia, é porque não ia dar mesmo. No começo você falou de eu ser sempre lembrado para disputar a Reitoria. É verdade. E eu sou tão devedor da USP como eu sou da SanFran. Mas não me vejo como Reitor. Explico. Quando eu assumi a diretoria, muito precocemente, por invenção do José Rogério, uma coisa eu tinha a meu favor. Eu sabia exatamente o que tinha que ser feito, nunca perdi um minuto pra pensar o que tinha que ser feito. Às vezes eu perdia horas pensando como eu vou fazer aquilo, mas que tinha que ser feito.  A biblioteca, eu sabia, tinha que resolver, uma longa história, mas tinha que resolver. A USP é outro mundo. A USP tem de navio à fazenda de criação de animal, de produção de reator de submarino à laboratório de sequenciamento de DNA. Então, aquilo é um mundo, e gere 7 bilhões de orçamento. É um desafio de outra ordem. Quando entrei como diretor, sabia a  25 anos que devia ser feito.

Entrevistador: Mas o senhor intenciona um dia vir a compor, de alguma forma, uma gestão reitoral? 

Floriano: Eu não intenciono, assim, como não intencionava ser diretor. Eu não descarto. Porém para querer ser Reitor é preciso se preparar, se enfronhar nos problemas, juntar gente. Eu tenho a sorte na vida que tudo que eu intencionava quando tinha a idade de vocês, eu consegui muito cedo. E ninguém vive sem ter desafio, um projeto. Quando você acha que tudo está feito, naquele dia você começou a ficar velho. Dali para frente é ladeira abaixo. Então eu sempre tenho desafio. Eu, nesse momento, tenho um desafio, uma possibilidade posta de recondução ao TSE, que, se consumada, me impõe o desafio de ser juiz numa eleição presidencial, então esse é um desafio. Se esse desafio não se apresentar por escolha do presidente, bom, aí eu vou arrumar outra coisa para fazer, pode ser reitor, pode ser adotar banheiro público, mas, tem que ter coisa que me inspire e me  mova adiante. Se há uma coisa que não tenho é preguiça.

Entrevistador: A partir dos 90 por cento que o senhor listou para nós, o professor acha que é possível, não vou dizer concluir, mas a gente começar e, a bons passos, caminhar com isso no próximo quadriênio de gestão de direção? 

Floriano: Eu acho que dá, eu acho que dá. Você precisa ter disposição, precisa saber o que tem que fazer e agregar gente para ajudar. Se eu tivesse que fazer a crítica da gestão atual, se eu tivesse que escolher uma, é que eu acho que ela se isolou, ela se encastelou, se apequenou. Não agregou gente, ao contrário. 

Eu não fiz, ninguém fez e ninguém fará nada revolucionário na Faculdade sem juntar gente, juntar gente. “Ah, o diretor, Floriano foi um bom diretor!”. Não acho. O que eu fiz foi juntar gente. Eu escrevi isso num artigo que vai sair numa revista lá da biblioteca,  num artigo que eu escrevi em comemoração aos 200 anos. A quantidade de gente que atuou para aquele projeto dar certo é uma enormidade. O meu mérito foi agregar. E aí, você agregando, você faz as coisas. O Adote uma Sala, que foi concebido pelo José Rogério, eu pus de pé. Dezenas de pessoas se somaram. O Adote uma Sala, a pessoa mais prescindível era eu. Hoje você tem uma turma na Associação que toca o programa, independente de quem ocupe a Diretoria. Ninguém foi obrigado a participar. Tocam porque compraram a ideia. O Fundo juntou dezoito milhões em 45 dias com cem pessoas. Em 45 dias! Teve que deixar gente para a segunda rodada. Você tem que agregar gente, você tem que vender a ideia e juntar gente. 

Eu tive na minha gestão pelo menos uns 40 professores que se engajaram em alguma coisa a sério. Vou te contar uma historinha para se fazer justiça. Eu ia tomar posse em fevereiro de 18, em janeiro de 18 eu pego um avião voltando de Nova Iorque pra São Paulo.. Estamos eu e a minha esposa e encontramos no mesmo avião o Flávio Yarshell. Flávio, é meu amigo a mais de 20 anos, colega de doutorado. Ele me diz que não ia poder ir na cerimônia de posse.  Respondi que não precisa ir à minha posse, isso era  desimportante. Mas que ia precisar dele. Prontamente me disse: “conta comigo”. Aí um dos primeiros problemas que eu sabia que tinha se apresentou pior que eu imaginava.  Fundação Arcadas. R$50.000 a R$ 70.000, por mês, para fechar a conta. Achei onde Yarshell ia me ajudar. O Flávio pegou a Fundação Arcadas com déficit operacional enorme. Um instrumento é para dar dinheiro para a Faculdade girando com déficit operacional mensal em torno de R$ 70.000 por mês. Flávio fez um trabalho monumental, refundou a fundação. Importante sempre lembrar isso. Quando terminamos a gestão a Fundação tinha vertido R$ 800.000 pra Faculdade. Então, assim, você tem que engajar gente, você tem que animar gente, e esse talvez seja o maior retrocesso, porque as pessoas estão desanimadas.

Entrevistador: O senhor hoje aceitaria participar de uma mesa para restaurar esse pacto entre todos os professores, para curar todas essas feridas na Faculdade? 

Floriano: Cara, eu tento isso o tempo inteiro. Eu trabalhei por quatro meses para ter uma candidatura única para diretor que unisse todo mundo. Atualmente, agora. Por quatro meses eu convidei cinco pessoas que pudessem unir. Não consegui. E temo que o processo eleitoral deixe a Faculdade irremediavelmente cindida. É uma pena. Mas não foi por falta de tentativa. Respeito as aspirações de todos e de cada qual. Mas impor fatos consumados não ajuda. 

Entrevistador: O senhor pode revelar quem foram os professores convidados?

Floriano: Não posso dizer os nomes. Cinco pessoas que seriam  cinco diretores ou diretoras fantásticos, com todos os qualidades invejáveis. E nenhum topou, cada um por razões das mais diversas. E aí você vai ter um processo eleitoral com disputa, que sempre deixa feridas. Mas eu, olha, se há uma coisa que eu não nego é ajudar a Faculdade a se reerguer, a sair, andar para frente. Eu sou, assim, atavicamente engajado nisso. Se não fiz mais nos anos recentes foi porque meus esforços em ajudar foram infrutívereos. Não se ajuda quem não quer ajuda ou não se ajuda.  Mais do que unir, você precisa pacificar departamentos, você precisa resolver os problemas não resolvidos, você precisa voltar a ter um diálogo mais construtivo com os alunos. A atual gestão do XI de Agosto é muito aberta ao diálogo atualmente, o que ajuda, embora não me pareça que suas legitimas necessidades estejam sendo encaminhadas. Você precisa engajar os servidores que estão muito desalentados, muito desincentivados. Mais do que tudo você tem que resolver esses problemas e trazer as pessoas para projetos. Cara, se você tem um projeto bom, que fica de pé, você dá o pontapé, aí não precisa mais nada, as pessoas tomam aquilo como projeto pessoal e avançam. 

O melhor exemplo é a biblioteca, as pessoas que se engajaram naquilo, de promotor a ministro do STJ, elas me perguntam o tempo todo, invariavelmente, “como vai a nossa biblioteca?”. Porque é um projeto que as pessoas viram como algo bacana, importante. E ficaram felizes em contribuir.  Você sabe que nas doações, principalmente a que a gente negociou com o Ministério Público, houve resistência. Nós ganhamos de 20 a 0. Um juiz de primeira instância, três desembargadores, cinco ministros do STJ, onze ministros do Supremo. Vinte votos a favor, nenhum contra.  Por quê? Por que eu estava defendendo? Não. O juiz da causa veio me dizer que tinha dado a sentença, eu ainda não tinha visto. Encontramo-nos casualmente na Riachuelo, ele falou, “ó, postei a sentença lá, parabéns”, o juiz. “Soltei a sentença hoje de manhã.  Esforço cabe só ao Diretor. O Diretor da Faculdade é algo que assusta dada sua importância. E você não souber lidar fica enlevado e perde a noção do que você é e do para que está lá. Nós somos muito menores que o cargo, não podemos nos enganar. Eu fui Diretor e fui ministro do TSE. Do ponto de vista de visibilidade, de importância pública, é 10 a 1. Diretor é mais relevante que Ministro. Só que isso você tem que transformar numa ferramenta para Faculdade, e não de autopromoção. Porque no dia seguinte você deixou de ser. Se você fez um trabalho bom, até vai ter alguém, como você, que lembra alguma coisa. Se sua gestão foi ruim, foi tímida, foi ensimesmada, pequena, você caminha rápido para o esquecimento, vira um zumbi pelos corredores, as pessoas te viram a cara. Você deixa de ser e ninguém mais te dá bola. Tenho orgulho de andar pelos corredores e ser cumprimentado por servidores humildes, com alegria. Quando se é Diretor não podemos fugir do que tem que ser feito, no tempo que tem que ser feito. Tem que pegar no pesado e ir adiante fazer aquilo alavancar. Porque o empresário te recebe, o juiz te ouve, o ministro da justiça te dá espaço e nem precisa ser franciscano como Lewandowski. Ouve porque você é líder de uma instituição que tem o respeito de todo mundo. 

Você quer ver uma coisa? Como é que você se refere à São Francisco? Certamente você já falou: “ah, ele é formado na Faculdade”. Como se fôssemos a única. E em certo sentido somos únicos.

 Minha esposa, ela fez pós na USP, mas ela não se graduou na SF. Volta e meia eu falo isso, e ela diz: “vocês acham que só existe a Faculdade de vocês” (risadas). E eu respondo: “tem outra igual?”. Porque a gente fala dela como “a” Faculdade. E é uma no meio de inúmeras. Porque ela é uma instituição, queira ou não, ela é uma instituição. Que não é por nossa causa. Porque ela é uma instituição histórica. Vocês leram os dois livros do Roberto Pompeu de Toledo? Ele tem dois volumes sobre a história de São Paulo, a Capital da Solidão e a Capital da Vertigem, narrando a história da Cidade de São Paulo na sua origem e depois. O que demarca o fim de um volume e o começo do outro? A criação da Faculdade. Porque aquilo transformou uma aldeia de degredados, aventureiros, missionários e indígenas numa cidade cosmopolita. Então, não é uma faculdade é a Faculdade. 

Entrevistador: Independente de quem ganhar, avizinham-se três candidaturas, o senhor acha que o vencedor vai ter a capacidade de agregar e curar essas feridas ou não? E o professor e diretor Floriano, independente de quem ganhar, que dica ou conselho daria para quem for tomar posse para o próximo quadriênio de direção? 

Floriano: Eu daria a seguinte, antes de você tomar posse, antes de você se eleger, faça o que eu fiz, publique uma carta dizendo ao que você veio. Eu tenho muito medo de candidaturas que são candidaturas de pessoas. De votos que sejam dados por amizade, afeto, lealdade, gratidão. O voto deve ser decidido pela consistência das propostas e compromisso com o que tem que ser feito. Eu fui candidato único e tive 86 por cento dos votos. Concorri sozinho, não precisava ter tido tudo isso. Por que as pessoas, na eleição que não tinha disputa, foram votar? Eu elaborei uma carta programa e disse a todos  assim: Sou candidato para fazer isso. Pus tudo no papel tudo que eu queria fazer, para o bem e para o mal. Tinha coisas hiper impopulares, como aumentar os requisitos de credenciamento na pós. Comprometi e aprovei. Tenho que fazer isso aqui. Falei: vou fazer isso, eu vou fazer a mudança da grade, tem gente que não gostava da ideia. Então não vote em mim ou não diga que eu não avisei. Tem que fazer isso. Pode pegar o documento, está tudo lá, o que eu fiz, o que eu não consegui fazer, mas tá tudo lá. Porque a partir daí até o que é conflitivo fica mais fácil. Acho que isso seria importante. 

Depois, tomando posse, eu diria o seguinte: anime a torcida, engaje as pessoas, traga as pessoas para junto. O poder de convocação do diretor é muito grande, então traga as pessoas e não perca tempo, não perca tempo, se há uma coisa que você não pode fazer é se distrair. Distrair, assim, você é diretor da Faculdade, 70 por cento do tempo é problema;  20 por cento é a parte política e 10 por cento é a abrir evento e posar pra foto. Se você não faz esses 70 por cento, sua gestão acaba, acaba. Você tem sempre que fazer isso aqui, que toma um baita tempo. Isso envolve briga de funcionário, isso envolve o banheiro que está mal limpo, isso envolve evitar a pichação da fachada, isso envolve mandar consertar o  móvel que está quebrado, não deixar largado pelos corredores.

Não se administra a Faculdade solitariamente, isolado. Você tem pauta da congregação, prepara a pauta com todos os chefes de departamento, pautas polêmicas fala com 20 professores, não pedindo pra votar, mas até os que são contra, “ó, mas, por favor, vamos decidir nesta quinta, não pede vista, tudo bem, faz parte e tal, mas, por favor, um pedido meu, a gente precisa avançar com isso e tal”. Fazer a boa política. Sabe o que eu fazia? Toda a congregação, depois de uns certos meses, que só durou dois anos, graças a Deus, senão talvez eu quebrasse, eu convidava os chefes de departamento mais um outro para almoçar antes da congregação. Punha lá na sala da diretoria, pagava lá um iFood para a moçada e a gente almoçava lá rapidamente, debatia os temas, comprometia as pessoas. Por quê? Porque o diretor pode ter muito poder, mas ele é como o rei na Idade Média, se os príncipes não quiserem você não manda. E 10 por cento é a parte protocolar, que é a parte visível, abrir congresso, aparecer na foto, sentar na frente na solenidade, mas isso aí faz porque tem que fazer. Discursar em colação de grau é bonito, é legal, eu me emocionava, mas é 10 por cento, o resto é assim, não distraia porque é muita coisa. E leve a coisa dentro da regra que você tem que ter. 

Agora só para fechar, não sei se vocês têm mais perguntas. Vocês queriam alguma coisa do futuro. Eu acho que a Faculdade pode ter um futuro muito promissor. Eu acho que é possível curar as feridas. Eu acho que a gente sofreu uma automutilação nesses últimos quatro anos, porque muitos dos conflitos foram multiplicados, mesmo nos departamentos mais conflagrados falta conversa, falta… Eu vou te dar um exemplo, vocês não estavam na Faculdade, eu assumi em fevereiro de 18, aí, março, abril abriu o ano e aí eu tinha ficado janeiro e fevereiro tirando uma pequena viagem a trabalho que eu fiz, preparando a gestão e tal, eu tirei uma semana de férias. Segunda semana após a abertura das aulas, o meu vice assumiu, eu estou lá na minha viagem e começa a chegar notícia no celular que um professor tinha iniciado o curso dele e distribuído um programa que era um desastre. Desastre. O sujeito enlouqueceu, o programa era misógino, homofóbico, enfim, racista, tudo que você pode imaginar, o programa rodou, já estava na imprensa. Aí fiquei lá administrando a crise, dando entrevista e voltei antecipadamente ao Brasil . O tal professor, era um problema, estava completamente com problemas, aí eu chamei-o para conversar. O evento tinha gravidade, estava na imprensa,  o Ministério Público  havia aberto inquérito. Chamei o sujeito para conversar, falei: “olha, vou ter que abrir sindicância, você é um professor já antigo, tem tempo pra aposentar, não tenho como evitar, você me desculpa, acho que você andou muito mal, mas eu vou fazer uma coisa, eu não vou abrir agora, você já tem tempo pra aposentar. Vamos fazer uma coisa, pensa se não é o caso de você pedir aposentadoria, você pede aposentadoria. Em sua homenagem, assumo sua disciplina e a tua turma, eu dou aula na sua turma com o seu programa, toco o teu curso até o final, me comprometo, não esse ano, no ano que vem aceitar sua inscrição como professor sênior e a gente divide aula. Pensa não responde agora. Senão você vai terminar sua carreira com processo administrativo, uma coisa desagradável, os alunos vão pressionar, você não merece isso, você tem uma história tão bonita”. Na semana seguinte ele veio com o pedido de aposentadoria assinado  me agradecendo, etc. Aposentou o sujeito, tirei o sujeito da frente, nunca mais deu problema, até hoje me manda sexta de Natal pra me agradecer. Porque eu não fiz isso simplesmente por deferência ou por generosidade, porque para a Faculdade ia ser menos traumático! Porque se eu fizesse isso [abrir sindicância] ia ser meses a Faculdade indo para imprensa com a sindicância com o negócio professor acusado de misoginia, acusado de homofobia. Para a Faculdade ia ser ruim, resolvi o problema, o sujeito nem quis ser professor sênior, foi tocar a vida dele e tal. Se preservou e a Faculdade se preservou.  Então, isso é fundamental. Não tem crise que a gente não consiga superar, mas precisa gastar tempo, dar atenção, chamar as pessoas, pilotar para cá, para lá, porque as crises aparecem. A chance de você, com 3.000 alunos, com quase 200 professores, não ter, esquece. Esquece. Você sabe onde tinha mais caso de assédio ou manifestações racistas? Entre funcionários. Eu tive problema de um terceirizado da limpeza, que teve acusação comprovada de assédio sexual a outra funcionária da limpeza. Mas como é que você faz? Você põe embaixo do tapete? Não, você administra o conflito, “chama o sujeito, chama, deixa a pessoa, quer denunciar”. Toca o negócio, porque o problema existe, mas você não o deixa crescer fingindo que não existe. Então isso tudo é um pouco do que eu aprendi, então tem vários legados e aprendizados que você pode passar, mas as pessoas têm que ter disposição. E às vezes o que acontece é que algumas pessoas, ao usarem isso como bandeira, elas fazem a coisa virar maior que é, entendeu? Então, se um aluno pisa na bola e comete um ato qualquer de violência, assédio, misoginia, etc, isso em si é um problema, É preciso enfrentar. Mas não preciso mostrar que sou o grande arauto da conformidade,  o vingador das boas práticas. Não precisa querer aparecer  na imprensa. Simplesmente tem que resolver, tem coisas que não se pode aceitar, então você tem que tirar o sujeito, tudo bem. Mas não precisa, se alguém vier falar, fala: “olha, já foi tratado, foi apurado, foi investigado, teve direito de defesa, foi comprovado, tá suspenso, tá afastado, tá exonerado”. Você não pode nem ter prazer nem querer se destacar pelo fato. Você não pode esconder e não pode multiplicar. Se você faz a coisa corretamente. Eu nunca precisei fazer discurso em público para ter atuado em comprometimento com as boas pautas, com os mínimos civilizatórios. Não se admite racismo na Faculdade, não preciso ficar mostrando o que eu puni, só não admite. Aconteceu, vai ser tratado como manda a lei. Não precisa fazer a promoção disso, porque a promoção disso, eu posso aparecer bem na foto da internet, já a Faculdade… A Faculdade é muito maior do que isso. E aí, se tem um caso de racismo é triste, não é? Tem que ser tratado com rigor, não tem? Mas quando alguém vai saber disso, vai dizer que a Faculdade é racista. Não é, ela está coibindo, mas tem um cara que é um sujeito racista. Então, quando um maluco, débil mental, põe lá a suástica, você não precisa surfar na onda. Você tem que fazer uma investigação séria, imediatamente documentar e apagar, porque você não pode deixar aquilo virar o que querem que vire e acabou.

 O que que vai ser o futuro? Eu acho que a Faculdade tem uma potência brutal e acho que ela tem que se se reinventar para essa potência ser alavancada.

Esta eleição vai ter disputa entre projetos e posturas muito opostas. A comunidade fará sua escolha. Eu tento fazer meu papel. Se errarmos na escolha, pagaremos o preço de mais quatro anos. Faz parte.

Entrevistador: Professor, deixa eu perguntar, para encerrar, duas coisas: o senhor falou do futuro, de agentes que propulsionam, a gente falou da administração pública propriamente, mas e esses dois agentes privados que circundam a Faculdade, que são o XI de Agosto e a Associação dos Antigos Alunos, qual é o papel deles daqui pra frente na construção da Faculdade? 

Floriano: Olha, o XI, o papel dele é a cada tempo fazer o que ele sempre fez, empurrar a história. A pauta do XI não é certa ou errada. É necessária. O XI tem que, fazendo uma boa luta política, empurrar a história. Se eu fosse diretor, e não mais serei, eu diria: ele empurra a história e eu faço a contenção do que tem que ser contido e empurro junto naquilo que tem que ser avançado. O papel do XI é o papel de empurrar a história. Ativação política, colocar as pautas. Porque é nessa tensão, empurrão e contra empurrão que a gente avança. O que não significa dizer que o diretor tem que ser caudatário de toda bandeira do XI, muitas vezes tem que dizer: vocês tão errados. E explicar o seu ponto de vista, dizer porquê acha errado. 

Vou te dar um exemplo, não sei se algum de vocês estava. Há 2, 3 anos, ainda não estava no TSE, estava indo, sempre, na congregação. Foi 2022, é. A representação discente resolveu revolucionar a congregação sentando na primeira fileira. Normalmente os representantes discentes sentam lá atrás e eles resolveram fazer um grande ato de revolução e sentar lá onde sentam os titulares mais velhos, todos em bloco. A grande revolução. Aí depois passou umas duas, três semanas, eles queriam tratar alguma coisa comigo e vieram aqui, porque tinham uma proposta qualquer. Aí eu conversei sobre o assunto, falei: “posso falar uma coisa para vocês, desculpa, assim, a minha sinceridade, mas vocês são burros, porque vocês decidiram sentar lá na frente, tudo bem, mas assim, é burrice.”. Aí falaram: “Não, porque você é conservador…”. Respondi: quando você senta atrás você vê toda a dinâmica da congregação. Por que que você acha que o diretor fica lá em cima e de frente? Porque ele está lendo a congregação, quem fala com quem, a manifestação corporal, eu, quando diretor, eu sabia como ia ser a votação só olhando as pessoas. Vocês renunciam à posição de quem olha o auditório todo, fica o auditório de trás para vocês, só olha para o diretor. É uma burrice estratégica, quem senta atrás sempre leva vantagem, sempre. Vai numa assembleia da UNE e veja os líderes, o que realmente fazem, sentam lá na frente e deixam o público para trás? Os caras ficam circulando, ficam lá atrás, porque eles estão vendo quem está conchavando com quem, você percebe a dinâmica. Ficaram surpresos. Então você tem que fazer o contraponto. 

Sempre tive e espero continuar tendo diálogo com o XI. Minha maior frustração na visa for ter perdido a Presidência do XI. E acho que militar no XI deveria ser atividade de extensão obrigatória. É uma escola. E cabe aos professores e em especial à direção respeitar e travar o dialogo e o bom combate com os representantes.

A Associação é outra coisa. A Associação está vivendo um período venturoso, a gestão atual é uma gestão super engajada. A AAA é uma potência brutal. Ela tem que trabalhar intensamente em trazer antigos alunos, fazer o que a gente fez lá na diretoria, trazer para associação. Tenho conversado muito com o professor Paulo Henrique e o Rui Caminha  para isso. Ela tem uma função muito importante, que é ser a porta de entrada de franciscanos ilustres para valorizar a Faculdade. Então teve agora um almoço para o Haddad. Poemos trazer o Toffoli, Alexandre, professor Lewandowski. No STF  os Ministros Cueva e Paulo Sérgio são antigos alunos. Thereza é professora nossa. Você tem que trazer essas pessoas para que você tenha na Faculdade um espaço vivo  aos antigos alunos. Porque quando você junta essa tropa, aí você consegue ter ideias. Por exemplo, uma coisa que eu tenho falado para eles, nada está sendo preparado corretamente ou a tempo e modo, para os 200 anos. Tem que a Associação fazer a coisa, tem que fazer. Porque não vai ser um filme de um diretor que quer fazer que vai ser suficiente para comemorar os 200 anos. Temos que organizar  um seminário internacional e isso não se faz de afogadilho. Grandes professores de grandes universidades têm de ser com pelo menos um ano e meio de antecedência. Você tem que ter um evento social relevante, você tem que organizar, tem que captar dinheiro. Você teria que ter a inauguração da biblioteca a tempo e modo. A gente, do jeito que está, vai cortar uma fita de um prédio vazio, uma coisa constrangedora. Você poder botar um prédio lá e depois fechar para porque não tem mobília. Pela inercia o novo prédio vai ficar vazio. Você tem que ter uma projeção, alguma coisa que seja uma projeção fantástica do que foi a Faculdade nos 200 anos. Fazer lá uma pesquisa, contratar historiadores, fazer um estudo das lideranças formadas ao longo dos 200 anos, como a Faculdade impactou a formação do Estado brasileiro, isso é um estudo. Estamos a  dois anos e meio, dois anos. Só agora parece que começamos a nos mover. E com uma comissão com dezenas de membros. Vai ser difícil ter algo viável. Propus à Associação começar a fazer as coisas, então tem que começar nesse segundo semestre a movimentar,  escolhe dois ou três eventos e depois se soma à programação da Faculdade. A Academia tem que se envolver nisso, porque, são 200 anos. Creio que a gente tem, a Faculdade possui, uma coisa mágica. Ela tem o material humano da melhor qualidade, ela tem uma história que,  com todas as suas máculas, é genial. Ela tem uma respeitabilidade talvez até muito maior do que a gente mereceria, ela tem um peso institucional sem precedentes e ela tem um fator de capacidade de transformação da realidade que é brutal. Perder de vista esses cinco aspectos é uma traição histórica, é um desperdício imperdoável. Então o meu desejo é que quem assuma a Diretoria saiba da importância do que está assumindo. E eu acho que, para estar à altura, para estar à altura do desafio, você tem que estar com um drive muito apurado do quanto a gente pode fazer a diferença, e não só pra nossa vida, porque na nossa vida ela impacta mesmo. Você entrar na Faculdade faz uma diferença, transforma a vida da gente, a minha pelo menos transformou e olha que eu vim de família privilegiada. Mas que tenha capacidade de transformar o entorno, a Faculdade, se quiser, ela é vetor de transformação entorno e as sociedade. Se ela quiser, ela é vetor de transformação do direito; se ela quiser, ela é vetor de transformação da elite dirigente do país e se ela quiser, ela é um vetor de transformação do próprio país. 

Perder a dimensão histórica disso e deixar a Faculdade ser uma mera formadora de bacharéis de boa estirpe é um desperdício. Isso já existe em outras universidades. Muitas boas, não tem nenhum problema. Mas, não é para isso que você cria uma universidade pública, não foi para isso que a São Francisco foi criada. E as pessoas confundem o fato de ela ter formado elites de um país hiper conservador com o fato de ela ser capacitada e pensada para formar elites. Não estamos condenados a formar elites da conservação, pode ser das elites da transformação. Caio Prado, Zé Celso, Renato Borghi! É isso, você tem que formar isso, e isso transforma. Perder de vista isso, acho que a gente entrou num drive de hibernação de ficar formando aluno. Eu te confesso, para mim, é a coisa mais importante que tem para mim, hoje, é você recolocar a Faculdade no trilho de uma instituição do porte dela, ainda mais quando tiver 200 anos.

Entrevistador: Professor, que palavras bonitas. Bem, muito obrigado, professor pela entrevista!

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