Espera suspensa

Jiullya Corrá

Encaro a mim mesmo no reflexo da bebida que há de chegar ao fim.

O meu coração, em uma ironia cruel, coordena suas batidas às batidas de um relógio que marca as horas como quem fere.

Cada segundo é um prelúdio do que iminentemente virá em minha direção.

Como cada segundo de uma tarde a aproxima de seu final inevitável na noite, que há de vir.

Compartilho das tardes a espera suspensa de algo que certamente virá. Deveria vir.

Está vindo.

Sinto a presença tênue do que deveria ser, tão intangível que temo desvanecê-lá com a mais leve insinuação de movimento.

Espero, suspenso.

E se não chega?

A tarde não espera a noite,

Nenhuma sombra espera o pôr do sol.

A cadeira à minha frente espera, suspensa, quem deveria ocupar seu lugar.

E, imóvel, espero suspenso

como se o próprio tempo me devesse piedade, aguardando aquilo que deveria chegar.

Mas ouve-me, alma teimosa:

não há de vir por que a esperas.

Não há de vir.

O que parte não regressa, e o que tarda já se esqueceu do caminho.

Resta-te o eco,

essa sombra sonora que mente consolo.

como quem sabe um segredo que te falta admitir:

que talvez o que nunca veio…

nunca deveria vir.

E quando enfim te ergueres,

saberás que o horror não foi a ausência

foi a espera.

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