Lygia Fagundes Telles

Karolina Zanin Vieira.

Entre todos os nomes, de todas as escritoras que admirei, este sempre foi o que mais gostei. Lygia. É um nome curto, doce e delicado. Ele passa sorrateiramente pelos ouvidos e soa até melhor como um sussurro, como um segredo. lygia.

Você pode até pensar que é uma palavra inocente, mas, quando ela vai embora, percebe que tudo aquilo que antes era já não é mais. Depois desse nome.

Em seu mundo, tudo aquilo que é complexo é, também, fácil. E as sutilezas. Elas só podem ser obra de uma mulher.

Os homens eternizam com perfeição grandiosos momentos, amores intensos e contradições dilacerantes, mas só uma alma suficientemente feminina, como a de Lygia Fagundes Telles, é capaz de cultivar palavras para descrever o silêncio.

E, assim, eu estava. Em silêncio. Contemplando o seu nome, grande e dourado bem em cima daquela porta de madeira. Na verdade, ela foi o motivo principal para que eu entrasse nessa faculdade. Largo de São Francisco.

Eu lembro da primeira vez que visitei esse lugar, há dois anos. Tímida, envergonhada, andando pelos grandes corredores escuros, imaginando como seria bom se, um dia, eu pudesse passar por ali tão confiante quanto aqueles que caminhavam risonhos. E eu imaginava Lygia, sobre aquele mesmo chão, sentada naquela mesma sala. Ela também deve ter sido uma menina risonha, mas talvez um pouco tímida, com certeza muito sonhadora. O ambiente era tão imponente que eu sentia como se houvesse uma força, que me expulsava. Mas minha âncora estava ao lado, era o meu irmão.

Ainda na minha infância, meu irmão viu algo em mim. Acredito que uma chama, que nasce em cada artista. Uma luz que acende por dentro e brilha. Só que, por 18 anos, eu vivi em um quarto escuro, sozinha com a minha chama. A não ser quando ele chegava, iluminando tudo, com suas músicas, com seus livros, com as suas histórias. A minha maior dor era quando ele ia embora. Eu ficava observando até o último momento, até o carro desaparecer completamente e a escuridão voltar.

Era ele que estava ao meu lado nesse dia também. Nós dois juntos, mais uma vez, observando, em silêncio, aquele nome. E a faculdade já não era tão assustadora. Eu ainda andava tímida, é claro. Mas era como se aquele prédio, agora, me abraçasse e me desse boas-vindas.

Ele tirou uma foto minha em frente à porta de madeira. Cabelo molhado, por causa da chuva de São Paulo, blusa vermelha, brilho nos olhos e sorriso. A foto, assim como Lygia, é capaz de registrar tudo aquilo que o silêncio tem a dizer. E, ao entrar na sala, a primeira coisa que se pode observar é a foto de Lygia. Madura, elegante, sorridente, como sempre foi. O brilho nos seus olhos castanhos. Tudo naquela sala me lembrava o seu nome.

A última sala, no último andar. Um corredor estreito. Estante repleta de livros antigos. Alguns muito raros. Máquina de escrever da Hilda Hilst. Janelas grandes. Disseram que a sala era nova. Mas ela parecia tão carregada de passado. Aquele lugar estranho, mas belo, era como o contar de um segredo, era como o ouvir de um sussurro, Lygia.

Sentamos, nas cadeiras, em um círculo, iniciando as premiações. Havia muitas pessoas. Eu não conseguia olhar para elas. Então, olhava para o rosto familiar do meu irmão. Eu também olhava para a meiga, a pequena menina de compridos cabelos enrolados. Ela parecia ser tão única. Qual será o seu nome? Com certeza seria um muito bonito e delicado. E em determinado momento, ela disse o meu bem alto. É estranha a experiência de ouvir o próprio nome, ressoando pela sala. Quando dizem o meu nome, eu me sinto eu. E lembro-me de Clarice. O que eu faria se eu fosse eu?

E eu falei sobre o meu conto. Escrevi ele com 15 anos. Na verdade, com 15 anos comecei a escrever. Com 15 anos, comecei a descobrir um novo mundo que me parecia tão distante e inatingível. Um mundo que, embora ainda muito novo, estava um pouco mais próximo.

O menino mais loiro que eu vi na minha vida iniciou o sarau. Sua voz alta e seus modos de líder convenciam todas aquelas pessoas a declamar poesia, a se entregar para a poesia.

E eu estava brigada com essa mulher, a poesia. Porque ela nunca me deixou escrevê-la. Eventualmente, consegui superar. Encontrei-me na prosa, na realidade, na sequência de eventos e de acontecimentos. Ela me aceitou. Mas aquele menino me fez perceber algo que faltava. Ele me fez enxergar a minha necessidade de viver a poesia, sem escrevê-la. De andar pelo caminho das palavras, das emoções e do lirismo.

Muitos leram poesias, inclusive eu. Outra garota que me parecia muito doce cantou sua música. E eu já me sentia próxima de todas aquelas pessoas. Como se todos nós dividíssemos um mesmo segredo. Lygia.

Outro menino se levantou para ler um poema, de um poeta do qual não sabia o nome.

Se eu enlouquecer, passarei as tardes repetindo o seu nome.
olhando as estrelas é sempre possível desenhar o seu nome.
eu entendo por que Tom Jobim compôs uma música para o seu nome.


se um dia eu mudar de sexo adotarei o seu nome.
tenho inveja do oficial de registro que datilografou pela primeira vez o seu
nome.


Uma vez sonhei que tudo no mundo tinha o seu nome
coelho tinha o seu nome, xícara tinha o seu nome, primavera tinha o seu nome.
detesto trabalho porque me impede de me concentrar no seu nome.


Quando saí da casa dos meus pais fui atrás do seu nome.
quando a poesia é boa é como o seu nome
quando a poesia é ruim me desespero porque não consigo encontrar o seu nome


Cabala e inefável são palavras lindas, mas não chegam aos pés de seu nome
não posso ser comunista se tiver que compartilhar o seu nome
Espero nunca te odiar para não ter que odiar o seu nome.

Espero que você nunca me deixe para eu não ser obrigada a esquecer o seu nome
É difícil falar de você sem mencionar o seu nome

Eu ainda não sabia o nome dele. Não sabia o nome de ninguém naquela sala. Mas olhei nos olhos de cada um. E reconheci a velha chama. Não, eu não estava mais sozinha. Todos nós juntos, por causa do seu nome, Lygia.

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