Clique no áudio abaixo para ter acesso a uma compilação da trilha sonora do jogo durante a sua leitura.
Davi Manzoni
Outer Wilds é um jogo eletrônico lançado em 2019 que combina aventura, na sua forma mais pura, com uma cativante história e resolução de quebra-cabeças criativos num mundo aberto. A obra se passa num sistema planetário próprio, composto por seis planetas, um cometa (cujo nome é Xereta, o que é hilário), uma estrela, o Sol, e outros corpos celestes, como luas. O jogador controla um habitante do Recanto Lenhoso, um planeta parecido com a nossa Terra, onde moram seres distintos, os lenhosos, uma espécie de anfíbio antropomórfico de quatro olhos. O jogador, apelidado de a “criatura” (“hatchling”, no idioma original), está prestes a fazer sua primeira viagem espacial pela companhia de exploração espacial chamada Outer Wilds Ventures. Antes, porém, de fazer seu primeiro voo, ele passa por uma situação incompreensível, para a qual devem-se buscar explicações.
Logo de início, a figura mais intrigante de todo o jogo é apresentada: os Nomai. Eles são uma espécie extinta, anterior aos lenhosos, cuja origem, objetivos e fim são desconhecidos. Ao explorar o sistema planetário, o jogador encontrará resquícios diversos dos Nomai, engenheiros de obras vastas e perenes, e artífices de avançadas tecnologias; mas, acima de tudo, necessário para alcançarem tais façanhas, sobreviventes de ambientes hostis e desafiadores. Indubitavelmente, sua história é aquilo que mais desperta interesse ao jogar Outer Wilds, e a leitura de seus escritos revelará muito sobre quem eles foram.
A primeira viagem espacial fica a total critério do jogador. Trata-se de um mundo aberto, afinal. Sinta-se à vontade para primeiro explorar a Pedra de Lia, lua do Recanto Lenhoso; ou os segredos que ele próprio guarda; ou o Vale Incerto, cuja incerteza fica evidente após alguma exploração no local; ou até se aventurar no temível Abrolho Sombrio. As opções são várias, todos os locais podem ser explorados e são chave para a compreensão de até onde os lenhosos chegaram e da história dos Nomai.
Acerca da forma do jogo, não há um sistema de progressão ou linearidade — apenas de armazenamento de informações, para auxiliar o jogador a ligar os pontos — assim, é possível zerá-lo tanto em 30 horas quanto em 7 minutos e 9 segundos (recorde mundial atual). Com isso em mente, pode ser que o leitor sinta-se desafiado a progredir o mais rápido que puder, mas acredito que isso contrarie por completo a lógica do jogo. Outer Wilds só pode ser jogado em sua experiência mais imersiva e curiosa uma vez. Aproveite essa chance única e engaje-se por completo. Não é à toa que a comunidade de Outer Wilds parece uma seita, perguntando aos outros se “Você já jogou Outer Wilds??”; a experiência proporcionada é extraordinária e cada jogador percorreu um caminho ímpar e teve hipóteses próprias, e a primeira vez sempre será a melhor vez.
Sobre a minha experiência no jogo, tenho considerações diversas. A minha primeira impressão foi, de cara, o quão vulnerável eu era. Desde o momento que deixei o Recanto Lenhoso, um sentimento me tomou conta: medo. Medo do desconhecido. Você sai do seu planeta, o qual se assemelha à Terra, com a qual estamos acostumados, e, independente da sua escolha de local, tudo é novo, e um perigo pode surgir a qualquer hora. Eu sempre joguei jogos de tiro, e não ter uma arma de fogo ou uma faca sequer à minha disposição era desconfortável — tanto é que eu equipava o osciloscópio para fingir que era uma arma e me sentir mais seguro. Acontece que você não tem inimigos. Quem te oferece perigo é a natureza. Vai fazer o que, dar um tiro na gravidade quando ela te derrubar? Acho que não. E, afinal, é a natureza que te ameaça ou você quem está no caminho da natureza? Esse senso de medo e de perigo se cessa justamente na hora que você conhece melhor aquilo que encara e torna suas ações e as da natureza uma só. Por mais intimidadora que ela possa parecer, principalmente em alguns planetas, entre em sua harmonia e ande no seu mesmo compasso, e a natureza te ajudará com o que você busca.
O ritmo do jogo é lento, para que você tome seu tempo. É aquele velho papo de aproveitar o caminho, não querer a chegada, o que, por mais clichê que seja, torna-se evidente na jornada do jogo. O processo de exploração e de conhecimento do próprio sistema planetário é uma trilha de introspecção, em que muitas vezes você se sentirá sozinho e pode sentir a solidão, ainda mais criando consciência do quão mísera é sua existência diante de planetas, estrela e de todo o sistema astronômico; mas, nessa experiência, você pode desenvolver a solitude, sentir-se confortável consigo mesmo e aproveitar os momentos sozinho, acompanhado sempre da sombra dos Nomai, com os quais você desenvolve um sentimento fraternal. Eles são como irmãos mais velhos, por cujos rastros você progride e aprende cada vez um pouco mais.
Falando nos Nomai, algo que me deixou muito intrigado é a relação íntima e conjunta que eles desenvolvem entre ciência e religião. Por mais científicos que seja, essa espécie extinta agiu concomitantemente em prol de um fim essencialmente religioso, no qual tiveram muita fé. Isso, para mim, é um grande tema. Sei que não sou o primeiro a dizê-lo, longe disso, mas ciência e religião podem ser complementares, a despeito do posicionamento majoritariamente dicotômico na atualidade. A experiência dos Nomai me levou a essa questão. Pacíficos e extremamente cooperativos para atingirem seus fins, os Nomai poderiam nos servir de inspiração de como nossa sociedade deveria agir.
Tratando de uma parte mais técnica, preocupo-me muito com a trilha sonora das obras, sejam filmes ou jogos eletrônicos. Uma grande surpresa para mim foi me deparar com uma trilha sonora que é não só belíssima, mas também idealmente adequada para o jogo, e a qual se adapta de acordo com a situação na qual o jogador se encontra. Em relação aos gráficos, Outer Wilds apresenta um desenho próprio lindo e aconchegante, que proporciona momentos de apreciação. Por fim, acerca do idioma, sei que muitos preferem jogar em inglês para não perder algumas nuances, e digo que é evidente que haja algumas diferenças, mas o jogo em português é tão bom quanto e dá seu melhor para boas e equivalentes traduções através da criatividade.
Para aqueles que desejarem desfrutar dessa obra marcante, deixo alguns pontos para melhorar a experiência. Saiba quais ferramentas tem a seu dispor, e como utilizá-las. O “batedorzinho” (“little scout”), osciloscópio e lanterna são ferramentas extremamente úteis para tomar rumos, identificar ameaças e facilitar sua vida no geral, então aprenda a usá-los o quanto antes para te ajudar! Outro ponto, seja curioso! Sabe aquele pensamento “E se eu fizer isso, o que acontece?”? Deixe isso te reinar enquanto estiver jogando, e, com certeza, será beneficiado com a resposta certa ou terá momentos engraçados em razão disso. Tente tudo que parecer possível. Por fim, não pesquise absolutamente nada sobre o jogo! A comunidade é muito preocupada em não dar spoilers para jogadores novos, mas isso acaba sendo comum. Se estiver preso e quiser orientação, não pesquise, procure alguém que já jogou para te dar uma dica, apenas. Qualquer coisa, estou à disposição! 🙂